Clássico do cinema amador nacional, Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-feira 13 do Verão Passado é um filme escrito, dirigido e editado pelo cineasta Felipe M. Guerra há 20 anos. Na época do seu lançamento, o longa-metragem era distribuído em fitas VHS enviadas pelo correio. Agora, como um Francis Ford Coppola da podreira, Guerra reeditou o seu clássico, relançando essa versão “redux” em um novo formato de distribuição: o streaming. A produção é um dos destaques da XVII edição do Fantaspoa, disponível na plataforma Wurlak.

Trata-se de uma versão diferente daquela lançada duas décadas atrás. A fita foi reeditada, contando com uma nova trilha sonora e até mesmo cenas inéditas. Mas isso não significa um aumento na sua duração. Pelo contrário, Guerra reduziu quase um terço da sua obra, passando de duas horas para agradáveis e divertidos 75 minutos. Ou seja, o resultado aqui está mais para O Poderoso Chefão – Parte III do que para Liga da Justiça, guardadas as devidas proporções, é claro.

Na trama, prestes a se formar no colégio, Goti (Rodrigo Guerra) resolve fazer uma festa para um grupo de amigos. Entre os seus convidados, estão Eliseu (Eliseu Demari), sujeito aparentemente imortal, Niandra (Niandra Sartori), uma garota que ele conheceu pela internet (discada), e Geison (Fábio Prina Da Silva), garoto que foi alvo de piada a vida toda por causa do seu nome. E como era de se esperar, um assassino começa a matar os convidados da festa de maneiras cada vez mais bizarras – a minha preferida é aquela em ele faz um buraco no pescoço da vítima e coloca uma torneira no furo, para o sangue escorrer.

Uma análise fria pode apontar as péssimas atuações (todos são atores amadores), as constantes quebras de continuidade (de luz, de som e de eixo) e a falta nexo em diversos momentos, como quando o assassino coloca a máscara só para retirá-la um minuto depois. Tudo isso está no filme, mas, ao menos para mim, nada disso importa. Minha visão e, consequentemente, minha análise de Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-feira 13 do Verão Passado foram guiadas pela junção três vertentes distintas, que mexeram comigo de uma forma muito pessoal: a paixão pelo terror, a nostalgia e a vontade de fazer cinema.

A paixão pelo terror transborda em todos os diálogos e todas as referências que aparecem ao longo do filme. Assim como o próprio nome sugere, o que vemos aqui é uma paródia de diversos tropos característicos do cinema de terror, especialmente do subgênero slasher. Existe uma predominância da franquia Pânico, seja na repetição de sequências da obra de Wes Craven ou na fantasia usada pelo assassino. Mas o olhar mais aguçado vai encontrar alusões a outros clássicos, de Sexta-Feira 13 à O Massacre da Serra Elétrica, tornando a experiência ainda mais divertida para o fã de terror.

A nostalgia já estava presente na época em que o longa-metragem foi rodado, uma vez que suas referências são de filmes da década anterior. Mas o sentimento ganha um novo significado a partir desse relançamento. Menções ao programa Show do Milhão, aos jogos de Super Nintendo e aos chats online como o ICQ podem não ser reconhecidas pelo público mais jovem, mas contribuem para a natureza saudosa da obra. E isso é amplificado pela imagem amadora do VHS. A (péssima) qualidade de resolução do vídeo causa a impressão de que Guerra estava apenas se divertindo e filmando uma reunião de amigos (o que não deixa de ser verdade).

E aqui cabe uma pequena anedota pessoal. Fiquei sabendo do trabalho de Felipe M. Guerra por meio de um pequeno artigo numa revista de cinema. Na época cheguei a me corresponder com ele, com o intuito de comprar uma fita VHS do filme. Ele foi bastante solícito e tirou todas as minhas dúvidas – e eram muitas. Não concluí a compra por dois motivos: eu não tinha dinheiro e o meu videocassete sempre dava problema. Mas fiquei com essa lembrança da minha primeira conversa com alguém que não apenas fazia cinema, como fazia cinema de terror – algo que sempre foi o meu sonho.

Isso me leva à última razão para minha apreciação de Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-feira 13 do Verão Passado: trata-se de um incentivo a jovens cineastas a realizarem os seus trabalhos. Felipe M. Guerra rodou esse longa-metragem com um equipamento amador e sem recursos, mas com vontade de sobra. Essa vontade também o levou a rodar diversos outros títulos ao longo das últimas décadas. E isso é admirável. Ao final dos créditos, ele ainda deixa uma mensagem incentivando novos diretores a produzirem seus próprios filmes. É o que pretendo fazer. Se o resultado não ficar tão bom quanto eu gostaria, espero pelo menos me divertir durante o processo.

NOTA DO EDITOR

Tive o prazer de conhecer Felipe M. Guerra em 2019 durante a XV edição do Fantaspoa, onde ele estava apresentando seu mais recente trabalho Deodato Holocausto, documentário sobre a carreira do diretor italiano que chocou o mundo com Canibal Holocausto. Nosso primeiro contato aconteceu justamente na festa de aniversário surpresa preparada pelos organizadores do festival para o Ruggero Deodato. Já “acompanhava” Felipe desde sempre, seu blog Filmes Para Doidos foi uma das grandes inspirações para o getro.com.br.

Modéstia a parte, minha memória para filmes é prodigiosa: quase sempre gravo a ficha técnica das obras que assisto, porém, estranhamente não recordava ser o Felipe o diretor de Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-feira 13 do Verão Passado, crássico do SOV que recebi pelo correio em 2002, época em que “gerenciava” O Templo do Horror, site sobre cinema fantástico hospedado no extinto Geocities. Felipe e eu havíamos trocado emails e ele havia me ofertado sua obra para apreciação.

Só lembrei disso no meu último dia em Porto Alegre durante uma festa pauleira onde o cineasta argentino Demian Rugna (Aterrados) e sua banda de rock se apresentavam. Ao voltar para Bahia, mandei via whatsapp uma foto para o Felipe do VHS que eu guardava a sete chaves protegido dos mofos e fungos que costumam atacar fitas cassetes. Ele me respondeu incrédulo: “Guarda isso Getro que é uma relíquia!”.

Dei boas risadas assistindo a versão Redux. O que era “bom” ficou melhor ainda. Para quem curte produções podreiras made in Brasil feitas com muito amor, criatividade e pouquíssimo dinheiro, o longa do Guerra é entretenimento garantido.

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