Apadrinhado por Steven Spielberg em meados dos anos 1980, Robert Zemeckis absorveu bastante o estilo do mentor no decorrer de sua carreira. Assim como Spielberg, ele adora dirigir filmes que apelam para elementos emocionais de indução, como o foco em personagens frágeis que precisam enfrentar duras adversidades para enxergar sua própria idiossincrasia. Mesmo nestes últimos doze anos, onde dedicou-se exclusivamente a dirigir animações motion-capture, podemos perceber a presença deste estilo – vide Os Fantasmas de Scrooge e A Lenda de Beowulf. Zemeckis têm até o seu próprio John Williams – Alan Silvestri -, cujas pertinentes trilhas sonoras são executadas para aumentar a dramaticidade em momentos chaves. O Voo não foge à regra.

Na trama, somos apresentados ao Capitão Whip Whitaker (Denzel Washington), um talentoso piloto de aviões comerciais, alcoólatra e viciado em cocaína que, durante um voo de rotina, é obrigado a fazer um pouso forçado quando sua aeronave apresenta uma falha técnica. Após salvar praticamente toda a tripulação à bordo, ele é celebrado como herói. Durante uma investigação da FAA (Federal Aviation Administration), exames de sangue mostram que Whitaker consumiu álcool antes de decolar, fato que compromete seu ato de heroísmo e pode colocá-lo na prisão.

Homem amargurado cuja vida em família foi destruída pelo alcoolismo, Whip entregou-se ao(s) vício(s) mas manteve sua ética moral. E é justamente sua ética que o faz questionar se o destino da trágica viagem seria o mesmo caso ele não estivesse embrigado, quando a companhia aérea para qual trabalha, de olho no seguro da aeronave, começa a delinear um plano que o isente de quaisquer responsabilidades. Desconfiado de suas próprias habilidades e preocupado com o julgamento da mídia que o vê como herói, o piloto decide encarar um tratamento, mas a situação vai piorando gradualmente.

Sem priorizar o desastre, o roteiro de John Gatins sabiamente concentra-se na via crucis do protagonista. Denzel Washington, em seu melhor papel desde O Gângster (2007), empresta carisma ao anti-herói, numa interpretação minuciosa que nunca parece forçada. A angústia por qual passa Whitaker é transmitida apenas com um olhar, onde suas expressões transpõem com perfeição características observadas em pessoas que sofrem de alcoolismo. Se sobra espaço para Washington brilhar, o inverso acontece com os coadjuvantes que transitam ao seu redor. É o caso da ex-atriz pornô viciada em drogas vivida por Kelly Reilly e o traficante interpretado por um John Goodman cheio de trejeitos, personagens promissores que aparecem e desaparecem de forma abrupta, sub-aproveitados por Gatins.

Ainda que moralista e um tanto quanto previsível, assumindo por breves instantes o tom de uma cartilha didática do Alcoólicos Anônimos, O Voo vale muito à pena, sobretudo pela mencionada performance de Denzel Washington – indicado ao Oscar de Melhor Ator -, e a direção segura de Zemeckis. Amparado pela edição ágil e sua eficaz fórmula de indução emocional, o cineasta realiza um trabalho sensível, quase um estudo de caso, abordando não só as discussões relativas ao alcoolismo mas também a ética no ambiente de trabalho.

[yframe url=’http://www.youtube.com/watch?v=Drpdy40F45w’]

(3.5/5)
O Voo (Flight)
Estados Unidos, 2012 – 138 min.
Direção: Robert Zemeckis. | Roteiro: John Gatins.
Elenco: Denzel Washington, John Goodman, Kelly Reilly, Don Cheadle, Bruce Greenwood.