Na sexta sessão da meia noite do Festival de Sundance 2020, tivemos a première mundial de Run Sweetheart Run, longa-metragem escrito e dirigido por Shana Feste. No filme, Cherie vai a um encontro às escuras – ou melhor, encontro das trevas -, arranjado por seu chefe, supostamente amigo e protetor. Ethan, por sua vez, é um homem bonito, rico, charmoso e muito sedutor; educado e cavalheiro, em um primeiro momento. Infelizmente, não demora muito para que Cherie descubra que as coisas não são o que parecem, resultando em um ataque brutal e uma caçada pelas ruas de Los Angeles.
Run Sweetheart Run faz parte do subgênero Rape and Revenge, dos quais fazem parte filmes como A Vingança de Jennifer e Vingança: obra que tratam da violência contra a mulher e a sua reação. Aqui, ainda temos um profundo discurso feminista e uma maneira inusitada de retratar o empoderamento feminino, em uma narrativa cheia de fúria, que se assemelha a um grande grito de basta às opressões diárias a que as mulheres são submetidas, das coisas mais amplas, como a carreira, até as coisas mais rotineiras e naturais, como a menstruação.
Se o longa se resumisse a um homem branco e heterossexual atacando e perseguindo (por mera crueldade e chauvinismo) uma mulher negra, o filme seria totalmente esquecível. Run Sweetheart Run, felizmente, investe em uma virada conceitual inteligente, que transforma a literalidade em alegoria, criando um oximoro cinematográfico. Este é, ao mesmo tempo, o ponto forte e o ponto fraco da obra de Shana Feste.
Trata-se de ponto forte, porque permite que os arquétipos sejam representados de forma simbólica e extrema, do poder masculino tóxico ao empoderamento feminino, passando por toda a etapa de fragilidade e medo da mulher submetida àquela situação. Por outro lado, trata-se de ponto fraco, porque o roteiro acaba se perdendo em diálogos óbvios demais, que podem ser catárticos, mas que, ao mesmo tempo, subestimam os espectadores e espectadoras.
Além disso, a obra aposta em conveniências absurdas de roteiro, que existem somente porque o roteiro precisava que existissem. Por exemplo, a forma como as habilidades do antagonista funcionam ou deixam de funcionar, sem nenhuma explicação lógica, ou a forma como a nossa heroína escapa de algumas situações muito perigosas.
Se o roteiro é problemático, também é verdade que a direção é segura e faz escolhas corretas, como a quebra da quarta parede e a violência fora da câmera até o ato final. Ademais, as atuações de Ella Balinska e Pilou Asbaek elevam o nível da narrativa.
Run Sweetheart Run equilibra-se entre o poder da mensagem e certo exagero nos diálogos, mas entrega uma obra poderosa sobre a vida, a mente e o corpo da mulher na nossa sociedade. Não tenho dúvidas de que este filme provocará fortes reações das mulheres. Para os homens, fica a dica: o filme merece ser assistido de olhos abertos e mente arejada; se você se sentir ofendido, está na hora de rever seus conceitos.
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