Escrito e dirigido por Darren Aronofsky (Cisne Negro e Noé), Mãe! acompanha esse casal sem nome que vive numa mansão isolada no meio do mato. Ele (Javier Bardem), um poeta famoso, não encontra inspiração para escrever uma nova obra. Ela (Jennifer Lawrence), dona de casa, passa seus dias reformando o espaço, como forma de agradar o marido – que parece evitá-la – e transformar aquele local no seu paraíso particular. A rotina dos dois muda quando recebem a visita de um homem misterioso (Ed Harris). E não demora muito para que cheguem mais e mais visitas inesperadas, que atrapalham a até então tranquila existência naquele lugar.

Tais visitas apresentam-se como fãs do trabalho dele e com isso, roubam toda a sua atenção, o que faz com que Ele passe a negligenciá-La. O abandono e a solidão causam sérios problemas psicológicos e até físicos nela. E assim como é comum em sua filmografia, Aronofsky obriga o público imergir naquela história, seja ao seguir a protagonista de um lado para o outro – como se a câmera fosse os nossos olhos – ou usar o design de som para reproduzir, por meio de ruídos extremamente altos e incômodos, aquilo que ela sente quando tem os seus “ataques” de pânico.

Filmando com película de 16mm, o que dá um aspecto granulado à imagem, conotando a degradação daquele ambiente aparentemente perfeito, a direção de fotografia de Matthew Libatique (O Círculo) explora bem os ambientes daquele local, sejam eles sombrios como o porão, ou iluminados como a cozinha. Já o design de produção de Philip Messina (Jogos Vorazes) amplia as diferentes realidades e as transformações sofridas pela casa durante o terceiro ato. E a montagem de Andrew Weisblum (Noé) é bem sucedida ao criar um clima de crescente tensão.

É claro que todas as características técnicas não funcionariam sem um excelente elenco por trás. E nesse quesito, a atuação de Jennifer Lawrence é um espetáculo à parte. Mantendo-se submissa ao marido durante boa parte da projeção, a atriz precisa transmitir nos olhares e nos silêncios tudo aquilo que está sentindo. Já durante o incrível clímax, toda essa sutileza dá lugar ao desespero e a jovem atriz transita entre esses dois extremos de maneira orgânica. Vale destacar que ela nunca esteve tão bela quanto neste filme, e esse comentário machista tem, sim, uma relação com a história.

Atenção, esse parágrafo contém spoilers! [Grife para ler] A menção à beleza da atriz não é gratuita. Uma vez que percebemos a real temática do longa, que é a religião, e que o protagonista masculino é, na verdade, o próprio Deus, percebemos que Ela, a tal mãe (entenda-se: a Mãe Natureza) foi criada por Ele, e por isso é vista de forma tão objetificada: o rosto liso, os cabelos longos, os vestidos transparentes, etc. Assim, além de aquela casa representar um microcosmo de toda a Criação Divina (que vai desde Adão e Eva até os mais recentes sacrifícios e destruições feitas em Seu nome), também serve como cenário de um relacionamento abusivo, no qual Ela se doa, se dedica e se fere, e Ele a ignora, dá mais atenção aos seres imperfeitos e a substitui quando Lhe convém.

Depois cometer muitos equívocos com o épico religioso Noé, o cineasta Darren Aronofsky repete alguns dos mesmos temas anteriores neste seu novo trabalho. A diferença é que, nesse caso, ele entrega uma obra que até tem uma aparência concisa, mas que na verdade é um projeto ainda mais ambiciosa e, o melhor, mais bem realizado. Mãe! é um “retorno” em grande estilo de um dos melhores diretores da sua geração.

Mãe! (Mother!)
EUA, 2017 – 121 min.
Direção e Roteiro: Darren Aronofsky.
Elenco: Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeiffer, Brian Gleeson.