Continuar uma franquia tão adorada como Star Wars é uma tarefa bastante difícil. Dona de uma legião de fãs, a saga criada por George Lucas em 1977 cresceu ao longo das décadas, expandindo-se para novos universos (séries de TV, HQs, livros, etc) e aumentando, cada vez mais, a sua mitologia. Agora, com a venda da LucasFilm para a Disney e a saída de Lucas do comando, coube ao cineasta J.J. Abrams tomar a frente dessa empreitada. A escolha de Abrams para o comando do novo longa é um tanto óbvia e extremamente bem-sucedida. Responsável pelo reinício de outra série muito adorada, Star Trek, o diretor trouxe consigo a expertise adquirida com as aventuras do Capitão Kirk e Spock, além de injetar um sangue novo ao universo de Star Wars. Para isso, ele foi auxiliado por Lawrence Kasdan (roteirista de O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi), que procurou garantir que as raízes da franquia fossem respeitadas. E é isso o que acontece, para o bem ou para o mal.

A história se passa décadas após a queda do império e a morte de Darth Vader. Nessa nova realidade, Luke Skywalker (Mark Hamill) está desaparecido, e a galáxia é a ameaçada pela Primeira Ordem, uma organização derivada do Império e encabeçada pelo Líder Supremo Snoke (Andy Serkis). A trama então acompanha Rey (Daisy Ridley), uma catadora de lixo de um planeta distante, e Finn (John Boyega), um ex-stormtrooper desertor, que se unem para levar a general Leia (Carrie Fisher) um mapa contendo a possível localização de Luke, mapa esse entregue ao piloto da Resistência Poe Dameron (Oscar Isaac) por Lor San Tekka (Max Von Sydow). Para completar a missão, Rey e Finn aliam-se a Han Solo (Harrison Ford) e Chewbacca (Peter Mayhew), enquanto são perseguidos pela Primeira Ordem e pelo temível Kylo Ren (Adam Driver), que deseja matar Luke para impedir o ressurgimento dos Jedis.

Este Episódio VII é um filme digno de um recomeço da franquia, em todos os sentidos. Ele reapresenta aquele universo fantástico, repleto de personagens conhecidos, ao mesmo tempo em que introduz novos e interessantes protagonistas. Porém, o longa é também quase que uma cópia de Uma Nova Esperança. Todo o arco dramático visto na obra de Lucas se repete aqui: a jornada do herói (ou da heroína); o segredo escondido no robô; a arma que destrói planetas inteiros; o vilão que se veste de preto e usa uma máscara; uma figura central e ameaçadora que pouco aparece, mas que demonstra extrema importância; uma relação familiar entre heróis e vilões; e até mesmo o plano de explodir a poderosa arma dos inimigos, que novamente contém uma falha em sua construção.

A vantagem, nesse caso, é que o texto de Kasdan, Abrams e Michael Arndt admite a sua própria obviedade e até brinca com isso. Dessa maneira, o vilão veste de preto e usa máscara para se parecer com seu objeto de admiração; a falha na construção da arma inimiga é apontada como uma obviedade necessária; e ao que tudo indica, o universo de Star Wars funciona de forma cíclica, com o bem e o mal constantemente se enfrentando de modo igual, por mais que os integrantes dessa batalha atendam por nomes diferentes (a princesa virou general, o império virou Primeira Ordem, e os rebeldes agora são a resistência). Assim, a repetição surge como uma jogada de segurança para agradar os fãs com uma trama que parece nova, mas que não difere muito do que eles já estão acostumados – e a escolha de Abrams para a direção fica ainda mais evidente.

Ainda assim, confesso que fiquei um pouco incomodado ao perceber tal obviedade, chegando ao ponto de prever uma morte importante, apenas por saber que existe uma morte similar na trilogia clássica. O desenvolvimento de alguns personagens também pareceu um pouco irregular. Enquanto o passado de Rey deve ser mais bem explorado nas continuações, algumas atitudes de Finn soaram dissonantes. De início, ele é mostrado abandonando a Primeira Ordem ao se assustar com a violência das batalhas (principalmente depois de ver um companheiro ser morto na sua frente) e por se recusar a matar. Porém, durante o clímax, ele mata diversos dos seus antigos companheiros sem aparentar um pingo de remorso, provando que seu problema não era cometer assassinato, mas sim quem ele devia matar (um questionamento moral que o longa esboça no início, mas esquece em seguida). Porém, tais problemas são pequenos perto das qualidades do filme, e estas sim, são muitas.

Mesmo trabalhando com um material bastante conhecido e consagrado, Abrams conseguiu imprimir a sua marca pessoal. Seu ritmo frenético de filmar e sua câmera sempre em movimento criaram algumas das melhores sequências da ação da franquia – o já mencionado clímax apresenta uma lógica visual muito segura, com diversas situações acontecendo em vários lugares diferentes, sem que montagem pareça confusa. Igualmente bem-sucedida é a sua opção de ampliar a proporção de todos os elementos narrativos. Se existe um novo “imperador”, agora ele é um gigante. Se existe uma nova “Estrela da Morte”, ela ocupa um planeta inteiro. Tudo é maior. Tudo é grandioso. Tudo é visualmente interessante. O diretor também acerta ao quebrar com uma lógica implícita na indústria hollywoodiana, ao colocar uma mulher e um homem negro como protagonistas da história. Alias, é interessante perceber como o próprio filme faz piada com essa situação. Reparem como Finn está sempre oferecendo ajuda a Rey, ou se preocupando com o seu bem-estar, quando fica claro que ela está muito mais apta àquela realidade do que ele.

A escolha dos atores não poderia ser mais acertada. Enquanto Daisy Ridley compõe a sua personagem como alguém forte, mas atormentada, John Boyega adiciona um elemento cômico à dupla. Oscar Isaac surge engraçado e um pouco arrogante, mas que nunca tenta ser um “novo Han Solo” – até porque, o Han Solo original está de volta, e ele é insubstituível. Igualmente louvável é a composição de Adam Driver para o vilão Kylo Ren, que alterna entre a frieza e a impulsividade, expondo-se como alguém que vive à sombra do seu ídolo e é assombrado pelo fato de que talvez não seja um pupilo digno de seu mestre morto. E não poderia deixar de falar do simpático robozinho BB-8, que se apresenta como um dos seres mais expressivos e articulados do longa.

A direção de fotografia também merece destaque, seja em momentos grandiosos, como a batalha que se torna cada vez mais escuro à medida que a luz do sol é sugada; seja em pequenos detalhes, como o reflexo de luz vermelha que sempre aparece no capacete de Ren – luz essa que toma conta de todo o seu rosto numa situação decisiva. Destaco ainda uma cena que me encantou bastante, na qual dois personagens são iluminados pela mistura das luzes emanadas dos seus respectivos sabres. Da mesma maneira, a direção de arte acerta ao recriar – e “envelhecer” – cenários clássicos, como o interior da Millenium Falcon, e ao conceber ambientes novos, como as naves da Primeira Ordem e a armadura da Capitã Phasma (Gwendoline Christie), imponente em seu visual sombrio e dourado.

Ao final, Star Wars: O Despertar da Força é uma ótima aventura espacial digno da franquia iniciada há quase 40 anos e melhor do que a maioria dos filmes dirigidos por Lucas. Espero apenas que, assim como ocorreu na trilogia original, a sua continuação seja mais ousada e de preferência mais inovadora. O espetáculo visual e a repetição de temas funcionam como nostalgia, mas talvez não se sustentem uma vez que a marca Star Wars esteja novamente estabelecida. Que venha agora algo digno de O Império Contra-Ataca.

Star Wars VII: O Despertar da Força (Star Wars: Episode VII – The Force Awakens)
Estados Unidos, 2015 – 135 min.
Direção: J. J. Abrams. | Roteiro: Lawrence Kasdan, Michael Arndt e J. J. Abrams.
Elenco: Daisy Ridley, John Boyega, Oscar Isaac, Adam Driver, Harrison Ford, Domhnall Gleeson, Carrie Fisher.