A filmografia de Martin Scorsese, salvo raras exceções, sempre girou em torno de homens desonestos, criminosos, dinheiro, drogas, sexo e loucura. Numa primeira instância, O Lobo de Wall Street pode parecer distante deste universo, mas não demora para o espectador perceber que Jordan Belfort, o protagonista desta história (vivido por Leonardo DiCaprio, em sua quinta parceria com o diretor), não é muito diferente do Johnny Boy (de Caminhos Perigosos) ou Henry Hill (de Os Bons Companheiros). O longa, sobre um ex-corretor da bolsa de valores que montou um esquema milionário fraudulento na década de 1990, é uma cinebiografia divertidíssima, que abraça sem pudores a vida louca, onde sobram os elementos citados na primeira linha deste parágrafo.

Escrito por Terence Winter (da série de TV Boardwalk Empire), o filme é baseado no livro homônimo do próprio Belfort, que trabalhou como consultor na película. Tudo começa com um inocente Jordan chegando a Manhattan para seu primeiro dia de trabalho como estagiário na poderosa L.F. Rothschild em Wall Street, disposto a conseguir sua licença de corretor. Apadrinhado pelo veterano Mark Hanna (Matthew McConaughey num papel curto mas memorável), ele descobre duas coisas importantes: 1º, o objetivo do seu trabalho é vender ações a todo custo, se o cliente vai se dar bem pouco importa, o que interessa são as comissões de venda geradas; 2º, para manter o pique, uma boa dose diária de cocaína será necessário.

A sorte ainda não está a seu lado e, no dia em que finalmente consegue sua licença, Belfort perde o emprego, vítima da Segunda-Feira Negra, data – 19 de Outubro de 1987 – em que várias bolsas pelo mundo sofreram crash. Sem opções, ele vai trabalhar para a Investors Center, uma empresa de ações de baixo valor. O pulo do gato surge quando ele descobre a comissão oferecida por este tipo de firma: 50% por venda, ao contrário do tradicional 1% oferecido em Wall Street. Esta informação permitiu a Jordan – um vendedor de talento singular – e seu futuro sócio Donnie Azoff (Jonah Hill) faturar grana suficiente para montar sua própria empresa, a Stratton Oakmont. Subornos, lavagem de dinheiro e insider trading (venda de ações com uso indevido de informações privilegiadas) transformaram a corretora num império multi-milionário e uma das maiores do mercado bolsista secundário dos EUA.

Durante sua estratosférica escalada social, Jordan segue os conselhos do mentor Hanna e vai além, consumindo cocaína, crack e uma quantidade enorme de outras drogas – incluindo Lemmon 714s, ou Quaaludes, um medicamento sedativo e hipnótico. Para premiar seu exército de “colaboradores” (movido por inspirados discursos motivacionais), promove festas homéricas no ambiente de trabalho, com direito a bandas marciais, orgias com prostitutas de todos os níveis e espetáculos doentios que incluem arremesso de anões ao alvo. DiCaprio, numa performance impressionante, dá um show encarnando este espalhafatoso sociopata, seja na fase de euforia ou em sua meteórica derrocada, quando o FBI descobre seus esquemas fraudulentos. Indicado ao Oscar de Melhor Ator, ele só não leva a estatueta porque concorre com o imbatível McConaughey (por Clube de Compras Dallas).

O desempenho dos coadjuvantes também impressiona. Entre eles, Hill como Azoff, o primeiro e principal comparsa de Belfort, atuando com naturalidade tanto nas sequências de humor quanto nos momentos dramáticos; e Margot Robbie, no papel da segunda esposa de Jordan, uma loira de olhos azuis que chama à atenção, seja por sua beleza estonteante, seja por sua competente interpretação. A edição rápida e cadenciada de Thelma Schoonmaker (colaboradora de longa data de Scorsese) é outro ponto alto. Visto que a história é contada em voice-over por DiCaprio, a montagem é precisa ao ilustrar todos os detalhes abordados pelo protagonista e hábil ao permitir suas interrupções na narrativa. Um trabalho magistral que permite as três horas de duração do filme passar num piscar de olhos, sem jamais torná-lo cansativo.

Motivada por acusações feitas por Christina McDowell, uma das vítimas de Belfort, parte da imprensa acusou o longa de fazer apologia ao crime e glamorizar o uso de drogas. Se por um lado a obra de Scorsese não glorifica o comportamento egocêntrico e destrutivo de Belfort, por outro, também não o condena. Espécie de conto de humor negro sobre ganância e corrupção, não existe no filme um julgamento moralista com relação ao que o personagem faz. Até porque, hoje vivemos tempos “breakingbadianos” no que se refere à decência e à moral. Personagens anti-éticos ganham roupagens carismáticas e, apesar da destruição que causam a tudo e a todos ao seu redor, são vistos com bons olhos pelo público.

No meio de todo aquele deboche e hedonismo até há uma crítica a sociedade capitalista cega por dinheiro e status social, mas, definitivamente, esta não é a maior preocupação de Scorsese. Cineasta que gosta de dar voz aos pecadores, pontuando suas histórias na base da causa/consequência, seu objetivo é narrar esta farsa épica da melhor forma possível. Missão que cumpre com louvor, do alto dos seus 72 anos. Polêmico e atrevido, O Lobo (mau) de Wall Street é um filme magnífico, um dos melhores de Scorsese, homem cuja carreira indelével continua indicando o rumo para o cinema moderno.

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(5/5)
O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street)
Estados Unidos, 2013 – 180 min.
Direção: Martin Scorsese. | Roteiro: Terence Winter.
Elenco: Leonardo DiCaprio, Jonah Hill, Margot Robbie, Kyle Chandler, Rob Reiner, Jon Bernthal.