Guardada as devidas proporções, Faroeste Caboclo é a nossa Yesterday. Comparar Legião Urbana com Beatles é sacrilégio, eu sei, mas não consigo visualizar outra banda de rock nacional que tenha tamanho significado para tantas gerações quanto o grupo liderado por Renato Russo. Partindo desde princípio, imagine que transformar em película os 168 versos desta que é uma das cancões mais icônicas do Legião, não seja uma tarefa fácil. Mas fidelidade e cinema quase nunca caminharam de mãos dadas e, neste caso, ainda bem, ou teríamos como produto final um extenso videoclipe. O roteiro escrito por Marcos Bernstein e Victor Atherino (com colaboração de Paulo Lins, Bráulio Mantovani e José Eduardo Belmonte), apesar de algumas resoluções questionáveis, soube fugir desta arapuca ao utilizar palatáveis liberdades poéticas para preencher lacunas e dispensar subtramas presentes na música.

Dirigido pelo estreante René Sampaio, Faroeste Cabloco acompanha a trajetória de João de Santo Cristo (Fabrício Boliveira), sujeito de origem pobre que depois de passar infância sofrida no nordeste com direito a “estadia” na FEBEM, decide partir rumo a capital do país em busca de sorte melhor. Uma vez em Brasília, ele e Pablo (César Troncoso), seu primo peruano, se envolvem em todo tipo de atividade ilegal. Quando uma entrega de drogas dá errado, João, fugindo da polícia, pula a janela do primeiro apartamento que vê pela frente. Ali, ele conhece Maria Lúcia (Isis Valverde), uma estudante de arquitetura e filha de senador, por quem se apaixona imediatamente.

Por conta deste amor proibido, João, um carpinteiro talentoso, até tenta mudar de vida, mas sua antigas conexões o levam novamente ao mundo do crime. Disposto a sair da miséria, ele investe no plantio e venda de um novo tipo de maconha cuja qualidade extraordinária logo é percebida pelos usuários, tornando o negócio próspero e rentável em curto espaço de tempo – semelhante ao que acontece em Selvagens (2012), de Oliver Stone. Não demora também para o sucesso da cannabis melhorada afetar o playboy Jeremias (Felipe Abib), traficante que, até então, dominava o mercado local com apoio de policiais corruptos. Entre festas e tiroteios, o embate entre os dois torna-se inevitável, caminhando para o desfecho trágico anunciado na melodia do Legião.

O fato de conhecermos antecipadamente o desenrolar de Faroeste Caboclo, em nada atrapalha o desempenho do longa. Aqui, a previsibilidade trabalha a favor, uma vez que o deleite é, justamente, ver transformado em imagens o universo cantado por Russo e as ideias originais propostas por Bernstein e Atherino. Entre as várias decisões que o roteiro da dupla toma para costurar a música, a mais acertada, sem dúvida, foi aumentar a importância do vilão Jeremias e da mocinha Maria Lúcia na trama. Personagens antes limitados a coadjuvantes, no filme tornam-se essenciais aos desdobramentos da história, diga-se, muito bem interpretados por Felipe Adib e Isis Valverde. O protagonista, vivido pelo baiano Fabricio Boliveira, faz também um excelente trabalho, emprestando carisma ao seu João de Santo Cristo.

O caráter político presente na letra de Russo não ficou de fora, apenas foi relegado a segundo plano. A crítica social explicitada pelo músico – racismo, diferença de classes, corrupção – faz parte da história, porém, não espere encontrar na tela um anti-herói engajado politicamente. O mocinho cheio de boas intenções que vai ao inferno e se transforma em bandido por conta do sistema que destrói sua bússola moral, não está assim tão preocupado em falar para o presidente sobre o sofrido povo brasileiro. Felizmente. O tom panfletário funciona na fábula proposta pelo cantor candango mas aqui prejudicaria este magnífico filme nacional e o debut de René Sampaio, um diretor para ficar de olho.

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(4/5)
Faroeste Caboclo
Brasil, 2013 – 100 min.
Direção: René Sampaio. | Roteiro: Marcos Bernstein e Victor Atherino.
Elenco: Fabricio Boliveira, Isis Valverde, Felipe Adib, Antonio Calloni, César Troncoso.