Lembram-se do Dredd interpretado por Sylvester Stallone no medíocre O Juiz de 1995? Se a resposta for afirmativa, então tenho uma boa notícia: o reboot Dredd veio enfim apagar da memória os resquícios daquela bobagem. Mesmo contando com uma história simplória e banal, a narrativa é fielmente comprometida com a personalidade violenta, sádica e fascista do personagem-título baseado nos quadrinhos de Carlos Ezquerra e John Wagner. Nestes termos, sempre é muito fácil gostar de um longa honesto às suas origens que não atenua seu lado mais desagradável só para atrair um público maior, e Dredd é exatamente este tipo de filme.

Escrito por Alex Garland (dos ótimos Extermínio, Não me Abandone Jamais e Alerta Solar), o roteiro apresenta um futuro distópico consumido pela radiação e que levou a civilização a habitar dentro de gigantescas metrópoles, como a decadente e superpovoada Mega City Um. Com 800 milhões de residentes espalhados nos sujos prédios-condomínio de 200 andares, a cidade é um antro de violência, drogas e crimes combatidos ostensivamente pelos membros do Salão de Justiça: os juízes. Cobrindo o seu rosto com capacetes que tanto simbolizam a atuação da justiça quanto asseguram o anonimato e impessoalidade, os juízes têm a missão de prender, julgar e executar os condenados no ato, um trabalho que mal consegue conter a explosão da criminalidade na cidade.

Dentre esses juízes, destaca-se Dredd, um homem disciplinado e rígido, há bastante tempo no serviço (observem as marcas no seu capacete) para incorporar uma frieza estritamente legalista e uma indiferença à brutalidade das ruas, características acentuadas pela voz grave e inflexível de Karl Urban. Certo dia, Dredd é convocado para avaliar se a médium Anderson (Olivia Thrilby) está apta a ingressar no rol dos juízes e a submete a um ritual de treinamento que os leva a investigar três mortes ocorridas no bairro comandado pela traficante Ma-Ma (Lena Headey, assustadoramente boa). Para não expor o esquema de produção de uma nova droga, a slo-mo, cujo efeito desacelera o cérebro e convenientemente deixa tudo em câmera lenta (realizando ainda os sonhos de diretores da estirpe de Paul W. S. Anderson e Zach Snyder), Ma-Ma aprisiona em um dos gigantescos cortiços mencionados Dredd e Anderson, que devem lutar para permanecer vivos até a chegada de reforços.

Mas sobreviver não parece ser uma tarefa tão difícil para o protagonista pois, mesmo quando confrontado por devastadoras rajadas de metralhadora e encurralado por dezenas de bandidos, ele consegue transformar a experiência adversa em uma maneira de testar o potencial de Anderson para o ofício. A novata, por sua vez, a bonitinha Olivia Thrilby, é competente para evitar que a ingenuidade da sua personagem a transforme na mocinha indefesa, sendo capaz de métodos tão cruéis de violência quanto aqueles praticados por Dredd.

Demonstrando menosprezo à vida humana a cada nova sequência, o diretor Pete Travis compromete-se com uma visão extrema e violentíssima da narrativa, não economizando nas mortes gratuitas, no banho de sangue provocado pela perfuração e explosão de cabeças e membros em câmera lenta, cuja fotografia chapada salienta a selvageria da cena. Apesar de sair-se bem conduzindo um fiapo de história, Travis não consegue desviar do esquemático e atropelado terceiro ato, desastradamente introduzindo novos vilões (cuja identidade é descoberta pelos “heróis” de forma preguiçosa… duas vezes!) e apostando na chegada salvadora de um deus ex machina, saídas fáceis demais ante aos altos padrões até então estabelecidos.

Criticando a desumanidade policial cotidiana através da extrapolação dos métodos do protagonista, só menos cruéis do que os da vilã por estarem amparados na lei, o juiz Dredd enfim ganha uma narrativa à sua altura: impactante, eficiente e sanguinária. Uma grata e inesperada surpresa.

(4/5)
Dredd (Idem)
Reino Unido / Estados Unidos / India, 2012 – 95 min.
Direção: Pete Travis. | Roteiro: Alex Garland.
Elenco: Karl Urban, Olivia Thrilby, Lena Headey, Warrick Grier, Wood Harris, Domhnall Gleeson.