Ao longo dos anos, Tim Burton tem provado incontestavelmente ser um diretor que em nada amadureceu desde seu primeiro sucesso (Os Fantasmas se Divertem) a última bobagem (Alice no País das Maravilhas). Escravo de sua estética apurada e invejável, Burton repetidamente tem preterido o conteúdo pelo estilo, dedicando-se a figurinos, maquiagens e conceitos excêntricos que, apesar de fascinantes, tornam acessórias e irrelevantes as figuras de carne e osso que os acompanham. Desta forma, duvido que mesmo os mais ardorosos fãs do cineasta conseguirão acumular argumentos para defender este Sombras da Noite, razoável novo trabalho do cineasta despido de vida igual a seus monstruosos protagonistas.

Tendo como protagonista Barnabas Collins (Johnny Depp), vampiro secular cuja origem remonta à Inglaterra em 1760, segundo apresentado no extenso prólogo, o roteiro de Seth Grahame-Smith baseia-se na série televisiva homônima sessentista e desperta (ou liberta) Barnabas em 1972 para retornar à mansão onde fora amaldiçoado com a vida eterna. Ardoroso defensor de estreitos laços familiares (seu pai o ensinara que “família é a única riqueza real”), o vampiro descobre que o que restara de sua família se resume a seres unidimensionais e desunidos encabeçados por Elizabeth (Michelle Pfeiffer) e Roger (Johnny Lee Miller). Há também a psiquiatra Julia (Helena Bonham Carter), o divertido caseiro Willie (Jackie Earle Haley), a aborrescente Carolyn (Chloe Moretz) e o pequeno David (Gulliver McGrath, no modo O Sexto Sentido), cuja tutora Victoria (Bella Heathcote), Barnabas acredita ser a reencarnação do seu grande amor: Josette. Enfim, o anti-herói reencontra a bruxa Angelique (Eva Green), que no passado matou a sua família e amada, e agora é uma rica empresária do setor pesqueiro ainda obcecada platonicamente.

Estruturado sobre dois conceitos batidos, a família desfuncional e a readaptação de alguém do passado nos tempos “modernos”, a narrativa gótica retrô acerta no humor na mesma medida que falha miseravelmente. Se a presença do slogan do McDonald’s é um inspirado product placement e as gags dos acordes graves do piano ou da busca de Barnabas por um local para dormir acertam em cheio, já os hippies ao redor da fogueira e a sequência de sexo literalmente subindo pelas paredes são desinteressantes e óbvias. O subtema romântico, por sua vez, é mal desenvolvido e não há praticamente envolvimento entre Barnabas e Victoria ou entre ele e Josette.

Esta displicência de Tim Burton é recorrente na narrativa e, embora reconheçamos rostos famosos, não há envolvimento com os apáticos coadjuvantes de luxo – todos caricaturas cujos propósitos pontuais e infantis podem ser descartados – que desaparecem e ressurgem preguiçosamente apenas no intuito de gravitar ao redor do magnético Barnabas. Restam só Barnabas e Angelique, devorando a tela seja pela composição, de praxe exagerada do astro Johnny Depp ou pelo incisivo e penetrante olhar da maquiavélica Eva Green.

Porém, independentemente da bruxa ser uma personagem interessante, atormentada por um amor que não será seu, este é, de novo, um filme de Depp cuja composição mescla Sweeney Todd e Michael Jackson (ao menos sugere seu figurino nas tomadas externas). De dicção eloquente, pausada e vocabulário rebuscado, o elegante vampiro não suja a boca ao beber sangue (clichê que acomete os sanguessugas no cinema) e imprime um ar entristecido, ressentido da prisão de existência eterna e dependência violenta do “líquido” quente e vermelho. Mas, Barnabas não é apenas trágico e nas vezes que se vê atingido por raios solares e na realista constatação ao ser aprisionado pela segunda vez num caixão, Depp justifica a adoração de seus fãs por seus atípicos e inconvencionais personagens.

Já visualmente, Burton age na sua zona de expertise, recriando uma atmosfera macabra embaçada em névoas ocasionais e no tom desbotado e enegrecido da fotografia de Bruno Delbonnel, mas com raros e felizes instantes de cores intensas (o depósito) e a óbvia predominância do tom vermelho (sobretudo, o exuberante vestido de Angelique). Já a direção de arte de Rick Heinrichs seguramente transforma a mansão Colinwood em um coadjuvante mais intrigante que o resto da família, na concepção vitoriana e suas passagens secretas.

Apresentando um desnecessariamente extenso clímax (recordou-me A Casa Mal Assombrada) e uma trilha sonora descaradamente reciclada por Danny Elfman, Sombras da Noite deveria ser mais homogêneo, dedicar-se ao restante do elenco e, quem sabe, o gancho deixado para uma sequência seria acompanhado de um largo sorriso ao invés de um desanimado suspiro.

(3/5)
Sombras da Noite (Dark Shadows)
Estados Unidos, 2012 – 113 min.
Direção: Tim Burton. | Roteiro: Seth Grahame-Smith.
Elenco: Johnny Depp, Michelle Pfeiffer, Helena Bonham Carter, Eva Green, Chloe Moretz.