Partindo de um mote aparentemente banal – a briga entre dois adolescentes -, O Deus da Carnificina, novo trabalho do aclamado cineasta Roman Polanski (O Escritor Fantasma) revela, de forma cínica, como o contrato social e as conformidades não-verbais que juramos seguir em prol da civilidade podem ser facilmente rompidos. O longa-metragem é baseado no espetáculo teatral “Le Dieu du Carnage”, escrita pela francesa Yasmina Reza (que também assina o roteiro ao lado do diretor).

Na trama, somos apresentados a dois casais distintos que se reuniram para discutir o comportamento agressivo de seus filhos. De um lado, os abastados Allan Cowan (Christoph Waltz, Bastardos Inglórios), um advogado proeminente e sua esposa Nancy (Kate Winslet, Contágio), uma corretora de investimentos; do outro, os classe média Michael Longstreet (John C. Reilly, Precisamos Falar Sobre o Kevin), um vendedor de utensílios domésticos casado com Penelope (Jodie Foster, Um Novo Despertar), uma dona de casa aspirante a escritora.

O embate, que se inicia com toda diplomacia e cordialidade possíveis, transforma-se numa sessão de descarrego a medida que as diferentes opiniões entre os personagens vêm à tona e o falso clima de harmonia se dissipa. Verdades dolorosas são ditas a medida que a conversa principal – bullying – evolui para tópicos variados como cultura, educação, remédios, crueldade animal e comportamento social.

O elenco é maravilhoso. Todos estão afiadíssimos e entregam atuações irreverentes e memoráveis. O experiente Polanski muito hábil com o posicionamento de sua câmera, sabe direitinho onde posicioná-la para extrair o máximo de seus atores e inserir o espectador da história. E a atmosfera teatral que permeia o longa – a ação acontece em um único cenário, o apartamento dos Longstreet – hora nenhuma incomoda, muito pelo contrário, funciona como efeito catalisador ao esquentar ainda mais os ânimos dos personagens naquele campo de batalha improvisado.

O Deus da Carnificina é entretenimento de primeira, um filme irônico que reproduz com fidelidade todas as peculiaridades e diálogos afiados da superpremiada obra de Reza, a ponto de acreditarmos estar no teatro, dentro de uma sessão de cinema. Uma fina crítica a pseudo-civilizada sociedade contemporânea que vive de aparências, não gosta de ser contrariada e nunca conseguiu livrar-se da ânsia descontrolada em devorar o outro. Quando as máscaras sociais caem, percebemos que ainda continuamos bárbaros.

(4/5)
O Deus da Carnificina (Carnage)
Estados Unidos, 2011 – 79 min.
Direção: Roman Polanski. | Roteiro: Yasmina Reza e Roman Polanski.
Elenco: Jodie Foster, Kate Winslet, Christoph Waltz, John C. Reilly, Elvis Polanski.