O Espião Que Sabia Demais

A Guerra Fria, período histórico de crise geopolítica e tensões entre os Estados Unidos e a União Soviética, segregou o mundo em dois grandes blocos, e estabeleceu um clima de insegurança global concretizado no temor de um conflito nuclear entre as nações. No meio-campo, a Inglaterra, obviamente alinhada aos EUA, detinha posição estratégica no cenário europeu, o que lhe conferia poder de barganha com a CIA. Agindo com discreta autonomia e vaidade, o país eventualmente se transformou em alvo de espiões soviéticos e se revelou um ponto de falha e vazamento de informações, levando à decadência e à descredibilidade do serviço secreto britânico, o MI-6 (o qual receberia o irônico apelido Circus).

Aproveitando-se deste contexto, John le Carré desglamourizou a espionagem e explorou as nuances morais e psicológicas daqueles personagens falíveis em uma de suas obras mais populares, O Espião que Sabia Demais. A intrincada narrativa do escritor parte de uma premissa relativamente simples: a investigação empreendida pelo aposentado agente  de inteligência George Smiley (Gary Oldman) para identificar um espião infiltrado pelos russos no alto escalão do MI-6. A partir da sindicância e dos depoimentos colhidos de integrantes do serviço secreto, Smiley debruça-se sobre os suspeitos, seus ex-colegas, identificados por apelidos como “funileiro”, “alfaiate” ou “soldado”.

Dessa forma, o roteiro de Peter Straughan e Brigdet O’Connor (recém falecida, vítima de câncer) estabelece uma complexa rede de personagens, dúbios por ofício, e cuja linha do tempo não é linear, remontando a eventos passados reconstruídos através da narração dos depoentes. Além disso, as minúncias, como uma discreta saudação militar, revelam-se fundamentais na identificação do traidor, o que torna o exigente longa-metragem muito recompensador àqueles que investirem cerca de duas horas na sua construção inteligente, meticulosa e ponderada.

Dirigido por Tomas Alfredson (do ótimo Deixa Ela Entrar), que confere importância a cada diálogo proferido, a narrativa é desenvolvida com eficiência, paciência e segurança, similar a um desafiador jogo de xadrez. Com uma disciplina voyeurística, Alfredson compromete-se com os menores detalhes, onde um discreto franzir da testa ou o desvio do olhar podem sugerir muita coisa ou absolutamente nada. Some-se a isso a minimalista direção de arte de Maria Djurkovic, a competente montagem de Dino Jonsater (que soube administrar eventos de diversas linhas temporais), atuações brilhantes de todo o elenco e você tem diante de si, um thriller eletrizante.

Realizado anteriormente em 1979 pela canal BBC em formato de mini-série, O Espião que Sabia Demais é ambientado em um universo frio, acizentado e empoeirado, imerso nas sombras e desconfiança. Um filme emocionante e revelador contextualmente coerente com a Guerra Fria: do grito silencioso que irrompe de seus espiões ansiosos por um contato humano à singeleza de um breve e praticamente imperceptível gracejo de satisfação.

(5/5)
O Espião Que Sabia Demais (Tinker Taylor Soldier Spy)
França/Inglaterra/Alemanha, 2011 – 127 min.
Direção: Tomas Alfredson. | Roteiro: Bridget O’Connor e Peter Straughan.
Elenco: Gary Oldman, Colin Firth, Toby Jones, Ciarán Hinds, John Hurt, Mark Strong, Tom Hardy.