Alice no País das Maravilhas

Tim Burton (Peixe Grande, A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, Ed Wood, Sweeney Todd) é um dos melhores e mais fascinantes realizadores de todos os tempos. Seu marco inicial relevante no cinema, Edward Mãos-de-Tesoura (1990), inaugurou não só a parceria bem sucedida com o ator Johnny Depp, mas um estilo lúgubre que o acompanharia em produções distintas. Então, não foi à toa que o anúncio desta adaptação de Alice no País das Maravilhas comandada por Burton criasse uma grande espectativa não só por parte dos fãs do seu trabalho como também dos admiradores do clássico infantil de Lewis Carroll.

Na trama, escrita por Linda Woolverton (roteirista de A Bela e a Fera), a maior mudança é a idade da protagonista – visto que o diretor não queria trabalhar com uma criança. Alice (Mia Wasikowska), agora com 19 anos, não se identifica com a sociedade aristocrática cheia de obrigações e regras de etiqueta da qual faz parte. A jovem tambem não entende a razão de ter sempre os mesmos sonhos idílicos todas as noites, desde criança. Em pânico por ter de se casar com um lorde chato, Alice foge e mais uma vez cai na toca do coelho.

Inicialmente desmemoriada, o Chapeleiro Louco (Johnny Depp, em sua sétima parceria com o diretor) é o primeiro a reconhecer que a Alice de hoje é a mesma garotinha de antes. Ele será seu companheiro nesta incrível jornada e a ajudará a entender a nova dinâmica de Wonderland (ou seria Burtonland?) e suas criaturas. A impiedosa e louca por cabeças cortadas, Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter) dominou o lugar. A única maneira de restaurar a paz é derrotar o temível dragão negro Jabberwocky e devolver a coroa à meiga e caridosa Rainha Branca (Anne Hathaway).

Alice no País das Maravilhas é uma experiência lisérgica fantástica. A criatividade de Burton e sua ótima equipe não tem limites: somos constantemente presenteados com inúmeras sequências de grande arrojo estético e visual. A Wonderland do diretor é um lugar sublime, com fauna e flora cheios de cor, repleto das personagens bizarros viciados em alucinógenos – seja no narguilé que Absolum, a larva azul (voz de Alan Rickman), fuma sem parar, seja nas poções e chás esquisitissímos tomados pelo Chapeleiro Louco e seus amigos.

A viagem extra sensorial só não é melhor por falta de um equilíbrio narrativo. Esta é uma adaptação não apenas dos dois livros de Lewis Carroll (Alice no Pais da Maravilhas e Alice no País do Espelho) como também do poema nonsense Jabberwocky. O roteiro e a direção simplificaram as histórias e transformaram tudo num sucessão de eventos previsíveis, desprovidos de consistência emocional e dramática. Salvam-se, além da direção de arte já citada, as performances de Depp e Bonham Carter com sua cabeçona.

O longa ainda tem um outro problema. O despenteado diretor, averso a nova tecnologia em terceira dimensão, não quis filmar com as revolucionárias câmeras de Avatar. Fez tudo no tradicional e depois converteu para o 3D. O resultado nem sempre é satisfatório – alguns personagens parecem ter sido esmagados por um rolo compressor – e, às vezes, a tecnologia atrapalha mais do que ajuda na narrativa. Mas, quem se importa? O trabalho espetacular de marketing da Disney contornou fácil este “pequeno” detalhe e a obra, se não ultrapassar, deve chegar perto de U$ 1 bilhão de dólares em arrecadação mundial.

Em entrevistas, Burton disse que o motivo de ter topado dirigir o longa foi ter visto mais de 60 versões, entre filmes, seriados ou quadrinhos, de Alice nos seus 55 anos de vida e nunca ter ficado satisfeito, pois cada uma deixava um gosto diferente de “poderia ter sido melhor”. Óbvio. A literatura e o cinema possuem linguagens diferentes, com códigos, timelines e percepções divergentes. Não vi tantas adaptações de Alice quanto o Sr. Burton, mas, com certeza, a dele também “poderia ter sido melhor”.

(2.5/5)
Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland)
Estados Unidos, 2010 – 108 min.
Direção: Tim Burton. Roteiro: Linda Woolverton.
Elenco: Johnny Depp, Mia Wasikowska, Helena Bonham Carter, Anne Hathaway.