Eu cresci na década de 1990. Na minha juventude, o maior contato (ainda que não o único) que tive com Tarzan foi com a animação da Disney de 1999. Então, não posso dizer que sou um especialista no personagem e na sua história. Sei apenas o básico. E digo isso de uma forma positiva, porque parece que faço parte do público alvo de A Lenda de Tarzan, nova adaptação das histórias criadas pelo escritor Edgar Rice Burroughs no início do século passado. Dirigido por David Yates (franquia Harry Potter), o filme parece mirar num espectador que conhece o protagonista por nome e sabe ao menos o mínimo sobre a sua trajetória. Porém, se tal escolha é positiva, o mesmo não pode ser dito das opções narrativas equivocadas que vemos ao longo de toda a projeção.

Escrito por Adam Cozad (Operação Sombra: Jack Ryan) e Craig Brewer (Footloose: Ritmo Alucinante), o roteiro coloca Tarzan (Alexander Skarsgård), ou melhor, lorde John Clayton, acostumado com a sua vida em Londres, onde mora numa mansão e é casado com Jane (Margot Robbie). É então que ele é convidado pelo Rei Leopoldo, da Bélgica, para viajar de volta à África numa cerimônia política. Meio a contragosto, ele parte em sua viagem ao lado da esposa e do ex-soldado americano George Washington Williams (Samuel L. Jackson), que deseja expor um enorme esquema de escravidão que ocorre no Congo. O que eles não sabem é que tudo faz parte de um plano orquestrado pelo excêntrico Leon Rom (Christoph Waltz), um mercenário que deseja entregar Tarzan a um antigo inimigo seu, em troca de pedras preciosas.

Toda a trama do menino criado por gorilas é contada por meio de flashbacks, que também explicam melhor a sua relação com Jane e o motivo da inimizade com o Mbonga (Djimon Hounsou), o tal líder da tribo que quer vingança. E esses são os melhores momentos do filme. A interação de Tarzan com os animais é ótima, tanto pelos excelentes efeitos especiais que dão vida aos bichos, quanto pelo fato de que tudo ali é contado visualmente, sem necessidade de diálogos. Assim, chega a ser contraditório que (a) os demais efeitos especiais sejam terríveis (principalmente aqueles que reconstroem a floresta em chroma key) e (b) o restante do longa seja construído por meio de diálogos expositivos e desnecessários, que servem apenas para repetir tudo que a imagem já tinha mostrado. Prova disso é a participação de Samuel L. Jackson, que serve apenas para ser o estrangeiro, aquele para quem é a história explicada (ou melhor, repetida).

Interpretando o protagonista com inexpressividade durante toda a projeção, Alexander Skarsgård tem pouco espaço para desenvolver os dramas do seu personagem, limitando-se apenas a exibir um excelente preparo físico – aparentemente, até o seu pescoço é forte. Já Christoph Waltz parece atuar no piloto automático, apresentando as mesmas excentricidades já características da sua persona, ainda que, de vez em quando, até consiga entregar alguma particularidade interessante – como o fato dele tapar os ouvidos quando ouve tiros. Por fim, Margot Robbie demonstra carisma e tenta a todo custo transformar a sua Jane numa mulher forte e independente. E por mais que até alcance esse objetivo as vezes, ela é sabotada por um roteiro que insiste em colocá-la numa posição de donzela em perigo, esperando até o final do filme para que seu marido venha salvá-la.

A direção de David Yates, cineasta por quem tenho profunda admiração, é igualmente problemática. Apresentando equívocos até então ausentes em sua excelente carreira, o diretor britânico falha ao estabelecer uma lógica geográfica na localização dos personagens, entrega um clímax bastante decepcionante (a resolução do conflito entre Tarzan e Mbonga é risível) e cria sequências de ação plásticas, pouco empolgantes e totalmente esquecíveis. Sim, existem grandes batalhas envolvendo pessoas e animais, e o protagonista fica pulando de cipó em cipó como estamos acostumados, mas ainda prefiro vê-lo surfando pelas árvores como no desenho que assisti na minha juventude.

A Lenda de Tarzan (The Legend of Tarzan)
Estados Unidos, 2016 – 110 min.
Direção: David Yates. | Roteiro: Adam Cozad e Craig Brewer.
Elenco: Alexander Skarsgård, Samuel L. Jackson, Margot Robbie, Christoph Waltz.