Em certo momento de Spotlight – Segredos Revelados um plano geral mostra o estacionamento quase vazio do jornal Boston Globe e acima dele é possível ver um outdoor enorme da AOL. Tal visão pode ser entendida como uma crítica à internet, cuja necessidade da instantaneidade atrapalha uma investigação mais profunda e um jornalismo mais “sério”. Não concordo com essa interpretação, pois acredito que quem faz um bom jornalismo é o jornalista e não a mídia para qual ele escreve. Assim, entendo que Spotlight não como uma crítica ao meio digital ou uma glorificação do meio impresso, mas uma homenagem à profissão de jornalista. E, neste sentido, o longa de Tom McCarthy (Trocando os Pés) garante o seu lugar entre os grandes filmes sobre essa profissão.

Escrito pelo próprio diretor ao lado de Josh Singer (O Quinto Poder) com base numa história real, o roteiro acompanha a tal Spotlight, uma equipe especial do Boston Globe liderada por Walter “Robby” Robinson (Michael Keaton, de Birdman) que é responsável por fazer investigações profundas e longevas para suas matérias. Quando o novo editor do jornal, Marty Baron (Liev Schreiber, da série Ray Donovan), propõe uma matéria sobre o acobertamento da igreja católica em casos de estupros de menores cometidos por padres, a equipe de Robby – formada pelo impulsivo Mike Rezendes (Mark Ruffalo, Vingadores: Era de Ultron), a dedicada Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams, Questão de Tempo) e o emotivo Matt Carroll (Brian d’Arcy James, Virada no Jogo) – inicia uma investigação sobre a grandiosa conspiração católica envolvendo centenas de padres e inúmeras vítimas.

Em muitos aspectos, o longa de McCarthy lembra bastante um grande clássico desse subgênero: Todos os Homens do Presidente (1976). Assim como no filme de Alan J. Pakula, aqui também é possível ver o desenrolar de uma grande conspiração e como isso afeta aqueles que a investigam. Existe até uma espécie de “Garganta Profunda” (interpretado por Richard Jenkins, O Homem da Máfia), uma fonte que parece saber todos os detalhes dos podres da igreja e que ajuda os jornalistas a seguirem suas notícias da maneira correta.

A ideia da homenagem a um “jornalismo clássico” é vista também na forma como a investigação ocorre. Por se tratar de uma história que se passa no início dos anos 2000, quando a internet estava engatinhando, todo o trabalho dos jornalistas é feito manualmente, com pesquisas em livros, ligações e visitas nas casas das vítimas. E numa época pré-WikiLeakes, é possível perceber como as burocracias jurídicas protegem grandes corporações, ao mesmo tempo em que o sistema legal (e a própria sociedade) parece operar a favor de certos criminosos, e não das suas vítimas.

É claro que nada disso é novidade e todo mundo sabe que é assim que o mundo “funciona”, Porém, não deixa de ser interessante notar como ocorre a influência desses padres sobre suas vítimas e como a igreja apenas remaneja tais pessoas, sem expulsá-las e sem entrega-las às autoridades. Além do mais, o filme ainda traz alguns dados alarmantes, como a estimativa de 6% de todos os padres esteja de alguma forma envolvida em escândalos sexuais e que a maioria desses casos é resolvida sem que nenhum documento seja arquivado, para que não se haja nenhum resquício do ocorrido.

Trazendo personagens quase unidimensionais como forma de mostrá-los totalmente comprometidos com a sua profissão (reparem na ausência dos cônjuges dos protagonistas), Spotlight – Segredos Revelados pode até percorrer um caminho já trilhado por outros grandes filmes, mas isso não apaga a importância da sua denúncia e nem a sua importância como cinema. É uma ótima obra que merece (ou melhor, precisa) ser vista.

Spotlight – Segredos Revelados (Spotlight)
Estados Unidos, 2015 – 128 min.
Direção: Tom McCarthy. | Roteiro: Josh Singer e Tom McCarthy.
Elenco: Michael Keaton, Mark Ruffalo, Rachel McAdams, Brian d’Arcy James, Liev Schreiber, Richard Jenkins.

AVALIAÇÃO
História e Roteiro:
Nível de Interpretação:
Qualidade Técnica:
Direção:
Artigo AnteriorOs Vencedores do Globo de Ouro 2016
Próximo ArtigoIndicados ao Framboesa de Ouro 2016
Daniel Medeiros é graduado em Cinema e Vídeo e formado nos cursos de Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica; e Jornalismo Cinematográfico - Crítica, Reportagem e Coberturas de Festivais. É membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE) e pesquisador sobre cinema de terror.