No gênero de terror, o sexo sempre esteve associado à morte. Esse conceito normalmente mostrado de maneira simbólica (a personagem faz sexo e morre em seguida, numa espécie de punição quase religiosa pelo ato “pecaminoso”), mas também pode ser visto sob a forma de paródia, como na franquia Pânico, em que – dentro da sua lógica metalinguística – é afirmado que a castidade é o modo mais seguro de sobreviver a um filme de terror. Mesmo assim, essa associação entre sexo e morte talvez nunca tenha sido tão explicitada quanto em Corrente do Mal, novo trabalho do cineasta David Robert Mitchell (The Myth of the American Sleepover), que, desde já, desponta como um dos melhores exemplares do gênero em anos.

Escrito pelo próprio Mitchell, o roteiro acompanha a jovem Jay Height (Maika Monroe), uma adolescente comum cuja rotina se resume a escola, longos banhos de piscina e ocasionais encontros com garotos da sua idade. Depois de um desses encontros, que culminou numa transa dentro do carro, ela descobre que a relação sexual a deixou “assombrada” por estranhas entidades. Essa assombração toma a forma de pessoas estranhas que aparecem caminhando lentamente na sua direção (o que não as faz menos assustadoras ou perigosas, uma vez que são dotadas de extrema força e um instinto de violência). A situação piora quando ela descobre que a única maneira de se livrar da maldição é passando-a adiante, ou seja, infectando outra pessoa com a sua DST sobrenatural.

Explicar mais seria contraditório com a natureza misteriosa da proposta aqui apresentada, que não se preocupa em nenhum momento em dar soluções fáceis ou respostas gratuitas para o espectador. Aliás, é interessante notar como nem mesmo a época em que o filme se passa pode ser definida, já vez que a direção de arte mistura elementos de diferentes décadas. Apesar disso, é inegável que Corrente do Mal apresenta um clima típico da década de 1980, em especial o visto nos longas de John Carpenter – uma clara influência para Mitchell –, desde a lentidão e contemplatividade com que conduz a sua narrativa até o uso de uma trilha sonora que lembra, e muito, aquelas compostas pelo autointitulado mestre do horror.

Outra particularidade marcante dessa época, e também presente aqui, é a ideia da estrutura familiar quebrada, que Mitchell preferiu omitir – ou pelo menos não destacar – os rostos dos personagens adultos. Existe, porém, uma característica social agregada a essa ambientação (a)temporal: a década de 1980 viu o auge da paranoia da AIDS e isso, se não criou, com certeza ajudou a consolidar essa ideia no cinema de terror de que o sexo mata.

Narrativamente, o diretor se destaca ao utilizar constantes planos gerais como forma de ampliar o sentimento de angustia e paranoia no público, que fica o tempo todo tentando adivinhar de onde virá a próxima ameaça. Aliás, é louvável que ele evite ao máximo a armadilha dos sustos fáceis, optando, em vez disso, pela criação de uma atmosfera sobrenatural que envolve a protagonista o tempo todo – o que não impede que o longa tenha alguns momentos memoráveis e assustadores, como a cena do “fantasma” no corredor.

Misturando homenagens aos clássicos com toques de originalidade, Corrente do Mal é, acima de tudo, um excelente filme de terror. Ouso dizer, inclusive, que é possível que estejamos testemunhando o nascimento de um novo clássico do gênero – desses que daqui a 20 ou 30 anos receberão suas próprias homenagens. Isto é, caso não seja estragado por inúmeras continuações, spin-offs, prequels e remakes.

Corrente do Mal (It Follows)
Estados Unidos, 2014 – 100 min.
Direção e Roteiro: David Robert Mitchell.
Elenco: Maika Monroe, Keir Gilchrist, Olivia Luccardi, Daniel Zovatto, Jake Weary, Olivia Luccardi.