Tenho uma teoria de que todo filme fica melhor com a revisão. Acredito que isso acontece porque, quando você assiste novamente a algo que já conhece, tem a tendência a ignorar aqueles defeitos que te incomodaram tanto na primeira vez e manter o seu foco nas qualidades e naqueles detalhes que passaram despercebidos antes. O longa não fica melhor, é só a sua percepção sobre ele que muda. E mesmo já tendo gostado de Interestelar da primeira vez que o vi, foi a revisão que me permitiu admirar ainda mais o novo trabalho do cineasta Christopher Nolan (trilogia Cavaleiro das Trevas).

Escrito pelo próprio Nolan, ao lado do seu irmão Jonathan, o roteiro acompanha o ex-astronauta Cooper (Matthew McConaughey), que foi forçado a virar um fazendeiro depois que os recursos naturais do planeta se tornaram escassos, e os governos abandonaram quaisquer programas que considerassem “não essenciais” (como o programa espacial). Mas ao ser convidado pela clandestina NASA para liderar uma expedição espacial que atravessará um buraco de minhoca em busca de outro planeta habitável, Cooper precisa abandonar a sua família (para desespero da sua filha pequena, Murph) e embarcar numa jornada através do espaço – e do tempo.

A trama em si não trás nada de original. O conceito da busca por outro planeta habitável foi o que motivou toda a série Perdidos no Espaço e diversos filmes de ficção científica, como O Fim do Mundo, por exemplo. A utilização de uma tecnologia mais avançada para a realização dessa viagem também já foi mostrada em Contato, assim como a viagem transcendental pela qual passa o protagonista, de certa maneira semelhante ao que Stanley Kubrick imortalizou em 2001 – Uma Odisseia no Espaço. Essa “falta de originalidade” da história pode incomodar alguns, mas não foi o que aconteceu comigo. Pessoalmente, fiquei surpreso ao perceber como Nolan conseguiu usar todos esses elementos já conhecidos e entregar um resultado belo e emocionante.

Aliás, essa é outra agradável surpresa. Conhecido por ser um cineasta frio e calculista, Nolan concebe aqui uma narrativa que procura balancear a razão e a emoção. Admito, porém, que é preciso comprar a ideia que o longa vende de que o amor pode ser algo quantificável, mas foi a forma encontrada pelo realizador para conciliar a vertente que ele já está acostumado com esse terreno novo, até então quase inexplorado em sua filmografia. E grande parte dessa emoção não funcionaria se o diretor não tivesse escolhido um elenco tão talentoso. Destaco neste caso a presença do sempre carismático Matthew McConaughey, que surge, de certa maneira, como uma versão do próprio Nolan, preso entre a razão (a missão que tem que cumprir) e a emoção (a força motivadora que o faz querer voltar para casa), e o interprete do Dr. Mann (não vou revelar quem é), que se apresenta como um verdadeiro estudo da conflituosa condição humana e do seu desejo de sobrevivência.

Como disse antes, a revisão me permitiu prestar mais atenção em alguns detalhes, e me fez admirar ainda mais os seus aspectos técnicos, como a fotografia de Hoyte Van Homayte (Ela), que combina a utilização de cores quentes para definir a Terra e frias para definir os outros planetas visitados. O design de som também merece destaque por explorar muito bem o silêncio “ensurdecedor” do espaço. Mas o que mais me encantou foi a trilha sonora de Hans Zimmer (A Origem), com sua composição em duas notas, que combina perfeitamente com a ideia do código binário, presente durante toda a projeção. Aliás, é interessante perceber também a intenção de Nolan em homenagear 2001, que ele considera um dos seus filmes preferidos, num plano em que lembra a cena final do clássico de Kubrick, e em que é possível ouvir uma versão de “Assim Falou Zaratustra” atualizada por Zimmer.

Isso tudo, porém, não apaga os defeitos do longa. Continuo achando que Nolan não soube explorar a grandiosidade da jornada ali apresentada, ao manter a câmera quase sempre na mesma posição, o que, inclusive, prejudica a ambientação do espectador. Da mesma maneira, as entrevistas mostradas em certos momentos surgem como recursos narrativos preguiçosos e desnecessários, uma vez que logo são deixados de lado. Mas apesar dos defeitos e da mencionada “falta de originalidade” (não gosto dessa expressão) da trama, Interestelar continua sendo um grande filme, que deve ser visto, e, principalmente, revisto.

Interestelar (Interstellar)
Estados Unidos, 2014 – 169 min.
Direção: Christopher Nolan. | Roteiro: Jonathan Nolan e Christopher Nolan.
Elenco: Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Michael Caine, Jessica Chastain, Casey Affleck, Mackenzie Foy.

AVALIAÇÃO
História e Roteiro:
Nível de Interpretação:
Qualidade Técnica:
Direção:
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Daniel Medeiros é graduado em Cinema e Vídeo e formado nos cursos de Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica; e Jornalismo Cinematográfico - Crítica, Reportagem e Coberturas de Festivais. É membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE) e pesquisador sobre cinema de terror.