O tempo é um bom termômetro para grandes filmes e depois de assistir ao reinício da franquia do herói mais popular do universo Marvel, não é difícil concluir que a adaptação de Sam Raimi de 2002 tornou-se um clássico do gênero. Não que O Espetacular Homem-Aranha seja ruim, pelo contrário, é um trabalho consistente, satisfatório e ocasionalmente empolgante, reapresentando um personagem que mal tínhamos nos despedido apropriadamente, mas com dramas praticamente idênticos. E este é o seu grande defeito: qual o sentido de revisitar a história daquele jovem inseguro se nada realmente novo é servido juntamente na bandeja? Apesar desta incognita, se apagarmos temporariamente da memória a trilogia anterior, o filme de Marc Webb (dono do sobrenome mais adequado possível) tem charme e personalidade suficientes.

Ambientado em uma Nova York opressiva e escura, o roteiro explora uma lacuna desconhecida na vida de Peter Parker: o destino dos seus pais. Assim, ao encontrarmos um garotinho brincando de esconde-esconde e encontrando o escritório de seu pai, Richard Parker, revirado por invasores em busca de arquivos secretos, existe a intenção de estabelecer um contexto de conspiração razoavelmente bem realizado. Alguns anos mais tarde, habitando com os tios Ben e May, acidentalmente Parker encontra a pasta do seu pai e descobre uma foto dele junto ao idealista cientista Curtis Connors, especialista em répteis, e que sonha em curar deformidades a partir do cruzamento inter-espécies. Até que, mordido por uma aranha geneticamente modificada no laboratório, Peter desenvolve habilidades aracnídeas, como a capacidade de escalar paredes, superforça e um sexto sentido invejável.

Peter, porém, é apenas um adolescente tentando atravessar o último ano do colegial desapercebido. Não nerd como alguém poderia esperar, ele posa de herói ao ver o valentão Flash Thompson humilhando um colega e se envolve com a cativante e espirituosa Gwen Stacy, de encontro ao esteriótipo da mocinha em perigo. Assim, é natural que seus superpoderes sejam usados de forma imatura, como na demonstração de virilidade na quadra de basquete, ou para interesses egoísticos, na busca do assassino de um parente. Ser herói não passa na sua cabeça até descobrir ser responsável, indiretamente, pelo surgimento da grotesca criatura reptiliana que ameaça as ruas de Nova York: o Lagarto, monstruoso alter-ego do Dr. Connors que usara o soro não testado em si mesmo. Embalando-se entre arranha-céus e visto com desconfiança ou mesmo como um ameaça por muitos, o herói parte na busca de uma cura enquanto tenta manter a salvo a cidade.

Aproveitando a primeira metade para construir a personalidade de Peter, o diretor Webb é sensível em ilustrar a amargurada existência do jovem tendo em vista seu conturbado passado. Por outro lado, a direção é desastrada no surgimento do Homem-Aranha: subitamente Peter costura o uniforme, adapta os lançadores de teia (a opção destas serem orgânicas, embora infiel aos quadrinhos, fazia mais sentido) e domina as habilidades de se dependurar nos prédios, escalar paredes e lutar de forma graciosa e irritando os adversários. Tudo isto ocorre bruscamente, mesmo que a extensa duração permitisse ao cineasta se esforçar mais e evitar soluções preguiçosas – num certo momento, ninguém mais estranha a mudança no comportamento de Peter e seus machucados frequentes.

De forma similar, ao mergulhar na obrigatória ação, a narrativa também alterna altos e baixos. A câmera acompanha incessantemente os movimentos do Aranha subindo pelas paredes, esgueirando-se por estreitas aberturas e se balançando por entre prédios, as lutas têm energia e bom humor suficiente para se sustentarem e a ênfase pontual no terror é oportuna. Contudo, o excessivo desleixo com a identidade secreta do herói e o óbvio desenrolar dos planos do Lagarto (um dispositivo é apresentado no meio da narrativa apenas para isto) sequer disfarçam a falta de inventividade do roteiro que sugere situações que não se confirmam e pega “emprestado” sequências inteiras de outros filmes.

Entretanto, o elemento humano prepondera no saldo final positivo: Andrew Garfield é convincente no papel-título, apresentando um jovem calejado que poderíamos tomar por nosso vizinho. Mas, embora ele tenha que carregar a responsabilidade da narrativa, é Emma Stone quem se destaca e Gwen Stacy transborda de carisma e energia logo que surge em cena, tornando fácil se apaixonar por esta geek de olhos grandes e sorriso encantador. Por sua vez, Rhys Ifans (o amigo estranho de Hugh Grant em Um Lugar Chamado Notting Hill) transforma Curtis Connors em um cientista bem intencionado e ético que, assim que é transformado no Lagarto, sucumbe a um complexo de Dr. Jekyll e Mr. Hide. O resto do elenco composto de atores conhecidos, como Martin Sheen, Sally Field e Denis Leary, está correto e tem bons momentos. Aliás, observe o sinal dos tempos: até Flash, interpretado por Chris Zylka, que poderia ser apenas um brucutu unidimensional, é apropriadamente humanizado em um instante de sensibilidade.

Deixando portas abertas para a anunciada trilogia (espere a última cena durante os créditos finais), Marc Webb é covarde ao ensaiar a quebra de uma promessa logo após esta ser realizada. E, se até aqui consegui evitar comparações, não posso deixar de destacar que O Espetacular Homem-Aranha perde para o irmão mais velho, embora a perspectiva de novas aventuras do aracnídeo não mais na colorida Nova York, mas nessa claustrofóbica selva urbana, seja interessante e empolgante.

(3/5)
O Espetacular Homem-Aranha (The Amazing Spider-Man)
Estados Unidos, 2012 – 136 min.
Direção: Marc Webb. | Roteiro: James Vanderbilt, Alvin Sargent e Steve Kloves.
Elenco: Andrew Garfield, Emma Stone, Rhys Ifans, Denis Leary, Martin Sheen, Sally Field.