Sinto-me como um enebriado Edgar Allan Poe neste instante, perdido nos devaneios de uma mente incapaz de organizar as ideias para elaborar um texto crítico minimamente coerente, mas este é o efeito que filmes desmotivadores como O Corvo provocam em mim. Ambientado no século XIX, na cidade de Baltimore, o roteiro de Ben Livingston e Hannah Shakespeare utiliza aquele popular poeta, crítico literário e escritor de contos policiais macabros no centro da investigação policial de homicídios inspirados na sua sombria obra, que nada deve ao gore e inventividade sadística de Jogos Mortais, como demonstra certa morte provocada por um pêndulo.

O resultado é uma excruciante jornada de duas horas sobre uma aborrecida investigação. Questiono-me se faz realmente alguma diferença que o mítico escritor norte-americano Edgar Allan Poe (John Cusack) seja o protagonista desta narrativa e não o Seu Zé vendedor da quitanda da esquina. A resposta, só poderia ser um grande NÃO. Satisfeitos exclusivamente por aquela fagulha de genialidade, os roteiristas conseguiram confeccionar somente mais um exemplar pedestre e derivado do saturado gênero de serial killer, onde o vilão está sempre a bons passos na frente dos heróis, propositadamente deixando pistas para a inevitável descoberta de sua identidade.

Não que desmascarar o assassino prove-se recompensador, exigindo o mínimo de esforço de Poe que, ainda assim, caso não contasse com a ajuda do detetive Fields (Luke Evans, dono de um semblante estático e assustadoramente inexpressivo) e das generosas pistas deixadas nas vítimas, poderia persistir na busca de sua amada Emily (Alice Eve) em vão. Nem a inspiração nas mortes literárias mostra-se particularmente relevante, pouco importando se o ritual fosse baseado nos crimes capitais ou na lista telefônica, pois o resultado seria igualmente desinteressante.

Resta-nos, apenas, aproveitar o cinismo desavergonhado e presunçoso de Poe, e o sarcasmo prosaico com que agride seus interlocutores em divertidos insultos, como “filisteu armado” e “nulidade intelectual”, que ganham ênfase nas explosões histéricas de Cusack. Um dos mais entusiastas adeptos do overacting – perdendo apenas para Nicolas Cage neste quesito -, Cusack diverte na dezena de diálogos afiados e no nonsense, e não nos méritos artísticos, com que transforma Poe em uma caricatura intransigente e acima do bem e do mal.

Dirigido sem apetite por James McTeigue (do ótimo V de Vingança), tecnicamente O Corvo não deixa a desejar: o design de produção tem bons atrativos, apesar de inferior a outros thrillers de época como Do Inferno e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça; a montagem de Niven Howie tem raccords que se destacam como a lua refletida na poça logo na abertura da narrativa; e a fotografia de Danny Ruhlmann investe na atmosfera sombria, neblinas onipresentes e cores despidas de vida apropriadas à narrativa. Mas, os apenas corretos esforços técnicos são ultimamente incapazes de compensar a narrativa deficiente e o ritmo monótono de uma investigação desinteressante.

Se o uso de personalidades históricas como protagonistas de ficções seguir o exemplo deste Edgar Allan Poe e seus “dotes” investigativos, o que esperar futuramente do celebrado ex-presidente norte-americano Abraham Lincoln caçando vampiros? Prenúncio de uma tragédia anunciada, eu diria!

(2/5)
O Corvo (The Raven)
Estados Unidos, 2012 – 110 min.
Direção: James McTeigue. | Roteiro: Ben Livingston e Hannah Shakespeare.
Elenco: John Cusack, Luke Evans, Alice Eve, Brendan Gleeson, Kevin McNally, Jimmy Yuill.