Tintim

Falar de As Aventuras de Tintim é recordar o Steven Spielberg que, mesmo aos 65 anos, mais parece um garotinho detrás das câmeras extasiado com as infinitas possibilidades apresentadas pelo mundo da animação. De espírito jovial e um ritmo ágil que concatena um clímax atrás do outro (ajudando a disfarçar a fragilidade do roteiro), o diretor nos recorda de suas melhores aventuras, como Os Caçadores da Arca Perdida e O Parque dos Dinossauros. Amparado pela produção precisa de Peter Jackson (Senhor dos Anéis), Spielberg redescobre a coragem comprometida na demasiada cautela com que comandou filmes como “Guerra dos Mundos”, criando uma narrativa que não hesita em colocar seu herói em perigo de morte.

Sem perder tempo apresentando Tintim ao grande público que não conhece as tirinhas do cartunista belga Hergé, o roteiro limita-se a descrever a personalidade do jovem repórter através de suas aventuras e observações realizados cotidianamente, como a curiosidade e fascínio despertado pelos mistérios existentes em antiguidades. Aqui, ele e seu inseparável fox terrier Milu eventualmente esbarram em uma réplica do Licorne, uma mítica embarcação que desapareceu sem deixar vestígios, objeto de desejo do colecionador inescrupuloso Ivan Sakharine. Perseguido por seus capangas, Tintim é literalmente arremessado em uma aventura que o leva a alto-mar, ao deserto do Saara e a um longíquo território árabe (a fictícia Bagghar) na busca do segredo encerrado na história do amigo Francis Haddock.

Reconhecendo a importância de Tintim ao apresentá-lo nos traços originais do seu criador, Spielberg transforma o personagem numa espécie de jovem Indiana Jones (as semelhanças são óbvias demais para serem descartadas). Confortável com a câmera digital, o diretor investe na liberdade dos movimentos, ângulos e tomadas, compensando as falhas da narrativa com abundantes sequências de ação que deslumbram e cegam o espectador, impedindo-o de enxergar que a simplicidade da história contada realmente não faz jus à perspicácia do seu herói.

A técnica de captura de movimentos apresentada é mais evoluída do que a usada por Robert Zemeckis nos seus filmes (O Expresso Polar, Beowulf ou Os Fantasmas de Scrooge), e a animação não cessa de surpreender nos pêlos arredios de Milu e nos fios presos no casaco de Tintim, bem como nas imperfeições da pele dos personagens, as manchas, cravos e a barba a fazer. Mesclado com o olhar minuncioso de Spielberg, a direção de arte, a fotografia (com bom uso de sombras e fachos de luz) e a a envolvente trilha sonora de John Williams (a melhor deles em anos), fazem de As Aventuras de Tintim uma animação visualmente impressionante.

Mas é a fluida montagem de Michael Kahn, colaborador habitual de Spielberg, e as intensas cenas de ação os verdadeiros tesouros do filme. Provando novamente porque é quem é, Spielberg finalmente afugenta a covardia que vira e mexe prejudicam seus filmes e não pisa no freio sequer na imagem de um marujo que perdera as pálpebras (algo certamente incômodo para os mais novos). No processo, ele abraçou o jovem cineasta vivo dentro de si e criou uma aventura excitante que, contornando o fiapo de história no qual é baseado, inaugura uma formidável franquia nos cinemas.

(4/5)
As Aventuras de Tintim (The Adventures of Tintin)
Estados Unidos/Nova Zelândia, 2011 – 107 min.
Direção: Steven Spielberg. | Roteiro: Steven Moffat, Edgard Wright e Joe Cornish.
Elenco: Jamie Bell, Andy Serkis, Daniel Craig, Nick Frost, Simon Pegg, Daniel Mays, Toby Jones.