Imortais

A Grécia antiga é um repositório de ótimas histórias de coragem e aventura de um povo hábil em narrar os mitos de seus heróis. Importante social e religiosamente para a época, a mitologia grega foi responsável por educar as crianças e entreter os jovens e adultos, provando seu valor histórico ao conquistar a sociedade contemporânea. Filmes como Fúria de Titãs e a adaptação de Percy Jackson e o Ladrão de Raios comprovam que a indústria hollywoodiana não esqueceu dos lendários deuses, titãs e heróis, mas vêm produzindo trabalhos visualmente belos e narrativamente ocos.

Dirigido por Tarsem Singh, conhecido pelo rigor estético e o visual arrebatador que acrescenta a suas obras sem o devido suporte no conteúdo narrativo (características comprovadas em A Cela e Dublê de Anjo), não deixa de ser irônico que Imortais tenha ares de um filme mais autoral do que uma adaptação de um mito grego. Pudera, o roteiro de Charley e Vlas Parlapanide descarta completamente a lenda de Teseu (Henry Cavill), transformando-a em uma espécie de 300 e substituindo a Batalha das Termópilas pela desesperada tentativa de conter o avanço do sanguinário rei Hipérion (Mickey Rourke) que deseja vingar-se dos deuses libertando os titãs aprisionados no Monte Tártaro. Afim de não esquecer suas raízes, os roteiristas, ansiosos em reproduzir a famosa batalha de Teseu contra o minotauro de Creta, desastradamente incluem não apenas uma, mas duas referências explícitas da besta e comprovam o enorme calcanhar de Aquiles do seu roteiro bobo e quadradão que trabalha temas como o herói messiânico, livre-arbítrio, paganismo e fé com a destreza de uma criança empunhando o arco de Epiro.

Aliás, a busca por esse artefato é o momento mais embaraçoso de Imortais. A trajetória de Teseu é esquemática, exigindo que o campesino testemunhe a violenta morte da mãe para motivá-lo a buscar vingança, mas não antes dele se tornar escravo nas minas de sal, fugir, apaixonar-se pelo oráculo Phaedra (Freida Pinto) e liderar os Helenos na batalha final depois de um discurso motivacional chulé estranhamente capaz de reanimar os quase desertores soldados. Abundante em diálogos expositivos e outros clichês artificiais (“Em tempos de paz, os filhos enterram os pais. Em tempos de guerra, os pais enterram os filhos”, os roteiristas ainda incluem um estranha menção sobre a importância do sêmen proclamado pelo rei Hipérion.

Mickey Rourke parece não ter aprendido nada do ostracismo que experimentou durante mais de uma década. Escolhendo quaisquer projetos que jogam na sua frente, o ótimo ator acrescenta virilidade ao rei Hipérion, mas baseia a sua composição exclusivamente em mastigar frutas na frente de seus interlocutores ou castigar seus desafetos, como válvulas de escape de momentos de raiva. Essa maldade é inversamente proporcionalmente a sua inteligência, pois, buscando vingar-se dos deuses, o roteiro sequer determina exatamente como o rei domaria os titãs depois de libertados na Terra. Esse desempenho abaixo da média abre espaço para que Henry Cavill destaque-se, apesar das limitações evidentes no material original, revelando-se competente e carismático. E se o resto do elenco mortal não tem o que fazer com seus personagens engessados, os deuses do monte Olimpo liderados por Zeus (Luke Evans) tem o único propósito de parecer grandiosos nos figurinos dourados, e protagonizar intervenções decepcionantes e lutas meia-boca.

Recorrendo à violência gráfica, Singh investe no 3D que, embora não seja narrativamente funcional, ao menos não é descartável. Mas o recurso tecnológico é pouco para justificar o preço do ingresso. Imortais é um trabalho extremamente burocrático, repetitivo e entediante que não hipnotiza o espectador, tornando impossível desviar a atenção dos defeitos de uma narrativa que encanta os olhos, mas envergonha a fonte original de sua inspiração.

(1/5)
Imortais (Immortals)
Estados Unidos, 2010 – 110 min.
Direção: Tarsem Singh. | Roteiro: Charley Parlapanides e Vlas Parlapanides.
Elenco: Henry Cavill, Mickey Rourke, Stephen Dorff, Freida Pinto, Luke Evans, John Hurt.