Em 1979, Franco Zeffirelli em O Campeão, tentou usar o boxe como pano de fundo para contar uma história de superação. O diretor não acertou o compasso e o longa estrelado por Jon Voight no papel do boxeador decadente acabou se transformando num sacaroso dramalhão. Já O Vencedor usa os tons certos, e apesar de não apresentar uma história inovadora, prende o interesse até o final – graças a direção competente de David O. Russell e, principalmente, o elenco escalado -, sem momento algum aproximar-se do exagerado ou apelativo.

Ambientado no final dos anos 1980, The Fighter conta a história de Micky “Irish” Ward (Mark Wahlberg), um talentoso boxer que não consegue deslanchar sua carreira. A culpa, em parte, é de Alice (Melissa Leo, ótima), sua mãe controladora que pouco entende do assunto mas insiste em ser sua empresária, e do seu meio-irmão mais velho, Dicky (Christian Bale), o xodó da família, um ex-pugilista que viu sua carreira literalmente virar pó, depois que viciou-se em crack.

A situação de Micky começa a mudar quando ele se envolve com Charlene (Amy Adams). A garota, que tem mais neurônios do que ele, faz o atleta perceber o papel de coadjuvante que desempenha naquela desestruturada familia com dois pais e nove filhos. Principalmente por causa do irmão drogado que, apesar de não ser mau-caráter, não tem noção de como atrapalha.

O longa explora o conturbado ambiente familiar do lutador, sua disputa por reconhecimento e a batalha que ele trava para sair da sombra do irmão inconsequente e de sua mãe dominadora. Baseado em uma história verdadeira, também expõe com conhecimento de causa outros assuntos, como a via-crucis dos lutadores em inicio de carreira, tendo que se sujeitar a empresários gananciosos e combates injutos até conseguir se destacar.

A obra serve também como um alerta importante sobre o crack. Quando o personagem de Bale surge, com seus olhos esbugalhados e magreza impressionante, antes mesmo do desenrolar da trama, fica evidente para o espectador que aquele sujeito tem um sério problema. Algo que todos percebem, mas que muitos ignoram – o que reflete, a realidade vivida por muitas pessoas no mundo todo.

As cenas de ação foram muito bem planejadas e executadas. Para dar mais veracidade a produção, O. Russell e o diretor de fotografia Hoyte Van Hoytema utilizaram câmeras dos anos 1990 para rodar as lutas sobre os ringues e o documentário que a HBO faz sobre Dicky Eklund durante o filme. Uma estética criativa que funciona como fusão entre a linha “imaginária” e os eventos reais.

Mas a “alma” de O Vencedor é mesmo a atuação hipnotizante de Christian Bale. A sua postura corporal, os seus olhos vazios e os maneirismos típicos dos viciados em droga, são dignos de aplausos. Filmes sobre pugilismo sempre chamam a atenção do Oscar (vide Rocky e Menina de Ouro) e, concorrendo a sete estatuetas, ao menos a de Coadjuvante está garantida. Bale já recebeu o Globo de Ouro e dificilmente será ignorado pele Academia – que “esqueceu” de indicá-lo em 2004 por sua atuação em O Maquinista (onde emagreceu de forma espantosa).

O roteiro tem seus altos e baixos (ou seriam uppers e downs?), mas apesar de toda a previsibilidade, é extremamente cativante. Ao falar de laços familiares, sucesso, derrocada, drogas, inspiração, talento e redenção com tanta legitimidade, O Vencedor é uma viagem cinematográfica obrigatória até para o menos desportista dos espectadores.

(4/5)
O Vencedor (The Fighter)
Estados Unidos, 2010 – 115 min.
Direção: David O. Russell. | Roteiro: Scott Silver, Paul Tamasy e Eric Johnson.
Elenco: Mark Wahlberg, Christian Bale, Melissa Leo, Amy Adams, Jack McGee, Bianca Hunter.