Confesso que, embora os veja por curiosidade, não simpatizo com remakes. É difícil não assisti-los sem um pré-conceito, até porque filmes são como obras de arte e não itens de série que precisam ser consertados, melhorados ou refeitos. Não preciso dizer que o público norte-americano não compartilha desta opinião e por terem aversão a tudo o que não seja falado em inglês e/ou preguiça de acompanhar legendas, a refilmagem de qualquer obra estrangeira de sucesso se torna, cada vez mais, inevitável.

Felizmente, em Let Me In, remake do sueco Låt Den Rätte Komma (Deixe Ela Entrar), os produtores tiveram o bom-senso de convidar o escritor (e autor do best-seller em que os filmes se baseiam) John Ajvide Lindqvist para colaborar no roteiro. Isto talvez explique porque Deixe-me Entrar, apesar do seu déficit de criatividade e seus tiques hollywoodianos (entenda por isto uma edição mais rápida e a exploração da violência gráfica), consegue ser tão cativante quanto a obra original.

Owen (Kodi Smit-McPhee) é um garoto de 12 anos constantemente humilhado pelos colegas da escola e negligenciado por seus pais, que estão se divorciando. Solitário, passa o tempo “ensaiando” uma vingança contra os valentões e espionando a vizinhança com uma luneta. Sua vida começa a mudar quando ele conhece Abby (Chloe Moretz), uma garota da sua idade – aparentemente tão tímida e introspectiva quanto ele – que se muda em companhia de seu suposto pai (Richard Jenkins), para o apartamento vizinho. Aos poucos, acabam se tornando melhores amigos.

Paralelamente, uma série de brutais e misteriosos assassinatos estão acontecendo na cidade onde vivem e, quando o “pai” da garota desaparece, Abby passa a apresentar um estranho comportamento. A poderosa amizade dos dois vai ser colocada à prova depois que Owen descobre que ela é, na verdade, uma vampira com insaciável sede de sangue.

O que poderia caracterizar Deixe-me Entrar como um remake dispensável foi o ponto que mais me agradou: as cenas shot-by-shot. Copiar os mesmos enquadramentos do longa escandinavo foi uma ideia arriscada, mas funcionou (principalmente o desfecho, memorável no original pelo seu caráter sangrento e poético). E isso não é nenhum demérito para o diretor Matt Reeves (Cloverfield). Ainda que tenha tomado esta decisão, ele não se limitou a criar uma segunda versão da obra de Tomas Alfredson, oferecendo uma visão diferente que chega ao brilhantismo em certos trechos – como um incrível acidente de carro totalmente filmado de dentro do veículo.

Mas o maior acerto de Reeves foi escolher atores mirins talentosos para integrar o elenco. O australiano Kodi Smit-McPhee, que já havia mostrado carisma em A Estrada, dá um show no papel do frágil Owen. E o que dizer da fantástica Chole Moretz? A moleca, que é um dos “ícones” do ultraviolento Kick-Ass, entrega novamente uma impactante performance, como a silenciosa vampira mirim. Sem estes dois, que apesar da tenra idade, demonstram maturidade dramática em suas atuações, seria impossível falar de temas tão complexos como o bullying e o efeito devastador da solidão em uma criança carente.

A nível técnico, o filme é quase irrepreensível. A trilha sonora de Michael Giacchino consegue ser tão serena quanto apavorante e a fotografia de Greig Fraser é belíssima, alternando entre o branco da neve e o negro das noites em que Abby e Owen se encontram no playground. O quase fica por conta dos efeitos visuais. O CGI é capenga ao extremo, em quase todas as ocasiões que é utilizado.

A película escandinava talvez seja superior em termos de consistência narrativa (e originalidade, é claro), mas Let Me In não é um remake a ser desprezado. Para quem já não consegue mais aturar vampiros que brilham ao sol, o longa oferece uma abordagem ao mito nunca antes vista: melancólica, brutal, romântica e encantadora. Trata-se de um filme de horror disfarçado de exercício filosófico sobre solidão e o encontro da sonhada alma gêmea.

(3.5/5)
Deixe-me Entrar (Let Me In)
Estados Unidos, 2010 – 116 min.
Direção: Matt Reeves. | Roteiro: John Ajvide Lindqvist e Matt Reeves.
Elenco: Kodi Smit-McPhee, Chloe Grace Moretz, Richard Jenkins, Dylan Minnette, Elias Koteas.