Beatlemaníaco de carteirinha, desde 1990, eu esperava ansiosamente por um retorno de Paul McCartney ao Brasil. Depois de uma longa maratona para a compra dos disputados ingressos, das passagens aéreas, um engarrafamento desgraçado para chegar ao Estádio do Morumbi – que chegou a 216 km, o segundo pior registrado em Sampa este ano – e muita, mas muita chuva, eu estava lá. 22 de Novembro de 2010, dia do músico. Poderia existir ocasião melhor para assistir a um show de Sir Paul?

McCartney subiu ao palco as 21:43h sob muitos aplausos. Aos primeiros acordes de Magical Mistery Tour começou a gritaria. Ao fim da canção, Paul, extremamente bem humorado, perguntou ao público em um português arrastado: “Tudo bem com a chuva?” E respondeu rindo aos fãs: “Chove chuva”. O Morumba foi ao delírio.

Os gritos aumentaram em All My Loving, a primeira dos Beatles. Tentei acompanhar a música, mas foi impossível segurar as lágrimas. Não sabia se cantava, batia palmas ou chorava; e cantar chorando e compassando palmas não estava dando certo. Para piorar minha situação, Paul emendou em outro clássico da ex-banda, Drive My Car. Só haviam se passado quatro músicas das 35 e eu já sabia que voltaria para casa com os olhos inchados e as mãos do tamanho de raquetes de tênis. Minha namorada ao lado, ria da situação.

Paul resolveu dar uma interrompida nos hits óbvios para engrenar uma sequência de canções do Wings, sua banda formada em 1971, logo após o término dos Beatles. Pausa para tirar fotografias e observar detalhes. Os três telões gigantes (dois na vertical e um na horizontal) e a aparelhagem de iluminação posicionada ao redor de todas as arquibancadas mostravam a parafernália técnica que envolve um espetáculo desse porte. Tudo digno de um dos caras que já fez parte da banda mais famosa que Jesus Cristo!

Depois de uma deliciosa sequência sem interrupções, Paul ergue sua guitarra ao ar (ato que repetiria trocentas vezes) e agradece ao público: “Obrigado, paulistas! Tudo bem in the rain?”, provocando mais gritos dignos do auge da “beatlemania” nos anos 60. Ao cantar My Love, dedicada a sua mulher que faleceu em 1998, ele dispara: “Eu escrevi essa música para minha gatinha, Linda. Mas esta noite ela é para todos os enamorados”. E agora? Chorar ou beijar? Felizmente, esses dois eu consegui fazer ao mesmo tempo!

Em Here Today, McCartney presta uma singela homenagem ao amigo John Lennon, música gravada logo após seu assassinato em 1980. O ex-parceiro de banda voltaria a ser lembrado mais para frente, quando Give Peace a Chance entra no medley de A Day in the Life. Depois foi a vez de homenagear George Harrison, com a canção Something. Nas primeiras notas, tome-lhe lágrimas. No telão, imagens do amigo morto em 2001, vítima de câncer no pulmão.

Paul pula do violão para a guitarra, da guitarra para o bandolim, do bandolim para o piano. Nesta sequência, mais hits dos Beatles: Ob-la-di, Ob-la-da, Back in the USSR, Paperback Writer, A Day in the Life, Let it Be. A apresentação se encaminhava para a reta final. “É ótimo estar de volta ao Brasil, terra de música linda”, falou. McCartney foi prontamente respondido com mais um coro: “Paul!, Paul!, Paul!, Paul!”.

Em Live and Let Die, colunas de fogo, fumaça e muitos fogos de artifício atrás do palco “incendiaram” a apresentação da música que foi tema de um filme de 007. A gritaria era generalizada. Minha garganta doía, mas era questão de honra acompanhar os urros dos meus 64 mil companheiros de jornada. No final da canção, Paul aproveitou para brincar que estava surdo com todo aquele barulho.

A chuva ameaçava voltar quando o músico sentou ao piano para tocar Hey Jude. O refrão, um dos mais conhecidos dos Beatles, foi cantado a plenos pulmões por todos em uníssono numa espécie de catarse coletiva. “Porra, se ele quisesse, podia dispensar a banda e reger a pláteia!”, pensava eu entusiasmado. São Pedro em respeito, desligou a água. E a lua cheia surgiu no céu escuro.

Após uma despedida fake, a banda voltou para tocar mais hits dos besouros: Day Tripper, Lady Madonna e Get Back. McCartney sai novamente do palco e retorna após os gritos de “Bis!” para, num pianinho colorido, desfilar uma de suas composições mais conhecidas: Yesterday. O sujeito não seria louco de deixar fora da turnê uma das músicas mais executadas em todo o planeta.

Antes de sua despedida definitiva, Paul recebe uma turma de jovens fãs eufóricas. Elisa Delfino, que ganhou seus 15 minutos de fama após tatuar no braço um autógrafo do ídolo, é uma delas. Depois da recepção calorosa, McCartney encerra a festa com Helter Skelter e Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, evitando correrias pelo palco e chances de um novo tombo – no dia anterior ele havia escorregado e caído.

Enebriado pela fumaça de marijuana da galera ao fundo e/ou emocionado por finalmente ter assistido a um show dos Beatles – no palco apenas o Paul, mas tenho certeza que Ringo mandava good vibrations de sua casa em Londres e o George e o John de onde quer que estejam -, foi difícil conter mais um rio de lágrimas.

A turnê Up and Coming Tour teve 29 apresentações pelo mundo desde março. Ao todo, McCartney ficou 17 dias na América do Sul. Além dos shows, deixou uma imagem de simpatia, elegância e disposição. E isto é notório ao ver a empolgação do mito ao perfilar cada canção. A música definitivamente é o alimento da alma. Deus permita, when I’m 64, que eu tenha a mesma vitalidade que Paul aos 68 anos. Agora, com licença que vou ali lavar o rosto. Só de escrever este texto já me deu vontade de chorar novamente.