Kickass

Kick-Ass – Quebrando Tudo, o novo filme do britânico Matthew Vaughn, é uma espécie de Watchmen da era da internet. Assim como na cultuada minissérie de Alan Moore e Dave Gibbons (lançada no final dos anos 1980), um mundo real com vigilantes mascarados também é a premissa deste divertido longa que mistura a estética sombria do gênero policial com o tom debochado de comédias juvenis. Fora o fato de ambos serem baseados em graphic novels, as semelhanças entres as dois filmes param por aí. “Watchmen”, mesmo com uma trama séria, tinha muito de fantasia, enquanto Kick-Ass tem pretensões mais “realistas”.

Dave Lizewski (Aaron Johnson) é um estudante sem grandes aptidões físicas, viciado em quadrinhos e pornografia que está cansado do seu mundo enfadonho. A grande pergunta da sua vida é: “Se os super-heróis são tão populares, por que ninguém se inspira neles e vai às ruas salvar o mundo?” Decidido a fazer a diferença, o moleque toma a atitude mais alienada e condizente com sua idade: costura uma fantasia, assume o codinome de Kick-Ass e sai para combater o crime.

O que vemos a partir de então é um nerd e as suas frustradamente hilárias tentativas de transformar-se em herói. Dave, ou Kick-Ass, não tem muita prática no ofício, apenas o otimismo e a inocência necessária. Quando uma de suas presepadas vai parar no Youtube, o jovem ganha notoriedade graças as redes sociais, tornando-se um exemplo para os seus companheiros porque conseguiu combater alguns bandidos sem utilizar grandes meios.

Não demora muito para aparecer outros vigilantes mascarados, mas nenhum com as boas intenções de Dave. Big Daddy (Nicolas Cage) e sua filha de nove anos Hit-Girl (Chloe Moretz, fantástica) são movidos por vingança. Os dois são verdadeiras máquinas assassinas, sobretudo a garotinha, praticamente a filha da Noiva de Kill Bill, responsável pelas sequências mais sanguinolentas e absurdas do longa. Já Red Mist (Christopher Mintz-Plasse), adora o circo midiático e tem o rabo preso com vilão Frank D’Amico (Mark Strong).

A premissa de Kick-Ass poderia render uma critica ao comodismo, a descrença no discurso político, a sociedade egocêntrica. Mas o diretor e roteirista Matthew Vaughn, optou por fazer um filme divertido,  politicamente incorreto, repleto de ação e pancadaria exageradas. Não foi à toa que precisou bancar o projeto do próprio bolso (com a ajuda de amigos do kilate de Brad Pitt), uma vez que todos os estúdios se negaram a produzir algo tão permeado de violência gráfica envolvendo menores de idade.

A coragem de Vaughn faz sentido. Kick-Ass jamais passaria pelo crivo dos chefões da indústria, não do jeito que chegou aos cinemas. Todo o espírito sacana e ousado da comic book homônima escrita por Mark Millar e ilustrada por John Romita Jr. se perderia na sala de edição, vítima dos cortes de algum engravatado. Pensando bem, quem, em sã consciência, seria capaz de autorizar cenas com uma garotinha decepando membros de brutamontes e soltando palavrões obscenos?

Escrito por Vaughn, Jane Goldman e Mark Millar, o roteiro traz inúmeras referências pop a la Quentin Tarantino: citações a seriados de TV, filmes, celebridades e, claro, HQs, estão por todo lado. Outro ponto favorável ao longa está na fotografia de Ben Davis, que entrega uma paleta de cores que respeita tanto a original da HQ quanto deixa o filme com cara de entretenimento light (mesmo sendo pra maiores) não abusando de tons escuros. A edição e montagem também são perfeitas, quase sempre sincronizadas com a trilha sonora e a coreografia das lutas, tornando o filme bem dinâmico.

Sem sentimentalismo excessivo ou ingenuidade, Kick-Ass é um programa perfeito para fãs de quadrinhos, videogames, pancadaria, o melhor filme até agora do primeiro semestre de 2010. Apesar do seu tom cartunesco e despretensioso, de certa forma, acaba chutando as bundas de uma boa parcela da juventude: existe por parte deles a percepção de que algo está errado e precisa ser mudado, mas preferem encontrar abrigo fora do mundo real, nos Orkuts e Facebooks da vida.

(4/5)

Kick-Ass – Quebrando Tudo (Kick-Ass)
Estados Unidos / Reino Unido, 2010 – 117 min.
Direção: Matthew Vaughn. | Roteiro: Jane Goldman, Mark Millar e Matthew Vaughn.
Elenco: Aaron Johnson, Chloe Moretz, Nicolas Cage, Mark Strong, Christopher Mintz-Plasse.